Santuários eleitorais do Bolsa Família

19/11/2014 10h10
[caption id="attachment_47972" align="alignleft" width="230"]Vereador Marcílio de Oliveira, ao lado da esposa, ele próprio estava cadastrado, recebeu quatro meses, mas foi obrigado a restituir valor embolsado aos cofres da União Vereador Marcílio de Oliveira, ao lado da esposa, ele próprio estava cadastrado, recebeu quatro meses, mas foi obrigado a restituir valor embolsado aos cofres da União[/caption]

CANHOBA (SE) – Território dominado por uma prefeita adepta do nepotismo, cujos filhos e parentes próximos tocam a sua gestão, a pequena Canhoba, com apenas 4.057 habitantes, a 124 km de Aracaju, deu a presidente Dilma (PT) 83,33% dos votos, a maior de Sergipe, a nona do País. A expressiva votação foi puxada pela indústria eleitoreira do programa Bolsa Família, que contempla 937 famílias no município, a maioria pobre e necessitada, mas muita gente que abriu uma brecha para aumentar sua renda de forma ilegal. Os flagrantes das fraudes estão em toda parte, do perímetro urbano aos sete povoados, onde moram 70% da população. O caso mais aberrante já teve um final feliz: vereador filiado ao Solidariedade, Marcilio de Oliveira, representante da reserva quilombola de Caraíbas, a 15 km do centro, passou quatro meses na lista dos bolsistas, com uma ajuda de R$ 326, mas denunciado, teve que reembolsar R$ 1.386.61, meses após receber uma notificação do Ministério do Desenvolvimento Social e de Combate à Pobreza.

[caption id="attachment_47973" align="alignright" width="230"]Gilzete, prima do vereador Marcilio, tem bolsa com mais duas irmãs da comunidade quilombo de Caraíbas Gilzete, prima do vereador Marcilio, tem bolsa com mais duas irmãs da comunidade quilombo de Caraíbas[/caption]

“Eu fui inscrito antes de ser eleito, mas depois da eleição me aconselharam a não abrir mão do benefício, pois muita gente no município também estava em situação irregular”, conta o parlamentar, adiantando que devolveu o valor constrangido. Ele reclama que, apesar de apoiar a gestão municipal, nunca ganhou um emprego para colocar seus parentes. “Mas a prefeita governa com a família”, desabafou, irritado. Marcílio saiu do programa de transferência de renda do Governo Federal, mas continua a proteger seus parentes. A prima Gilzete Silva, 28 anos, mãe de um filho, embolsa R$ 112 por mês, mesmo valor das suas irmãs Regiane e Luciene Santos, vizinhas de sua casa em Caraíbas, e, claro, também primas. O assentamento é povoado de bolsistas. Das 160 famílias, mais de 90% estão no guarda-chuva do programa, inclusive pessoas em situação irregular, como é o caso de Gleide Melo, dois filhos, esposa do ex-vereador Eronildes Campos, do PP, mais conhecido como Gordo. Ainda quando era parlamentar, em 2010, ele encontrou uma forma de aprovar o cadastro da mulher, que também trabalha para a Prefeitura numa escola da comunidade quilombola. “Nós não somos casados. Portanto, minha mulher não está ilegal”, rebate o Gordo, que reforça o salário da família com um pequeno comércio na cidade de Aquidabã, vizinha de Canhoba. As fraudes no município sergipano não param ai. No povoado de Borda da Mata, um dos mais carentes de Canhoba, o vereador Uilidon Silva (PSL) tem uma prima, Adriana dos Santos, que é zeladora numa escola municipal com salário mínimo e recebe mais R$ 301 da Bolsa.

[caption id="attachment_47974" align="alignleft" width="230"]Vereador Uilidon Silva nega que a esposa seja beneficiária do programa, mas tem parentes recebendo benefício indevidamente Vereador Uilidon Silva nega que a esposa seja beneficiária do programa, mas tem parentes recebendo benefício indevidamente[/caption]

O parlamentar teria colocado no programa também a sua esposa Aparecida Campos, segundo correm versões na comunidade. Ele, entretanto, desmente. Diz que, na verdade, tentou, mas o cadastro não foi aprovado. “Isso é intriga da oposição”, alega. A reportagem tentou checar o nome de Aparecida na lista oficial do programa, mas encontrou dificuldades. A assessoria da prefeita informou que esse tipo de informação é sigilosa. Os que não se contentam por estarem fora do programa em Caraíbas, comunidade que sobrevive da pesca e da produção de mandioca, milho e feijão, além de gado, ovelha e galinhas, informam que há outros casos de ilegalidade entre os beneficiários, como a transferência do valor do benefício para um parente próximo quando o bolsista se aposenta.

Fotos: Magno Martins e Otávio Souto