Jorge Oliveira lança livro ‘Muito prazer, eu sou a morte’

19/11/2014 15h03

jorge-oliveira-na-ed-chiadoO livro “Muito prazer, eu sou a morte”, do jornalista e cineasta Jorge Oliveira, publicado pela Editora Chiado, já está nas livrarias de Portugal. Chega ao Brasil ate o final de novembro, mas pode ser adquirido no site da editora (www.chiadoeditora.com). Ganhador de dois prêmios Esso, Jorge Oliveira escreve o seu quarto livro. O último, “Curral da Morte”, foi publicado pela editora Record. Como cineasta, estreia em Maceió, no dia 24 deste mês, na Mostra de Cinema de Arte, o documentário “Olhar de Nise”, um longa-metragem sobre a psiquiatra alagoana Nise a Silveira. Seu último filme Perdão, Mister Fiel ganhou 14 prêmios no Brasil e no exterior. A história do “Muito prazer, eu sou a morte” tem como palco o Rio de Janeiro, onde Oliveira viveu boa parte da sua vida, e Maceió, onde nasceu e começou a carreira profissional como jornalista. O livro, uma mistura de ficção e realidade, fala da morte do autor por pistoleiros alagoanos, às vésperas do Carnaval, quando tinha 36 anos de idade e trabalhava no Jornal do Brasil, no Rio. “Eu me preparava para sair de casa. Tinha batente pesado pela frente: trabalhar na cobertura do Carnaval de 1984, sob o comando de Moacyr Andrade, redator e coordenador da cobertura carnavalesca do Jornal do Brasil. Seriam quatro dias, sem folgas, cobrindo os desfiles. Uma novidade: inaugurava-se o Sambódromo, obra do arquiteto Oscar Niemeyer, no governo de Leonel Brizola Beijei meus filhos, minha mulher e me dirigi à porta de casa. Morava confortavelmente em um condomínio no Floresta Country Club, conhecido no Rio de Janeiro porque cedia sua sede para os treinamentos preparatórios dos jogos da seleção brasileira de voleibol. A favela Rio das Pedras, ao lado, era pequena, mas já começava a sitiar o condomínio. Protegida por uma milícia vigilante, que intimidava os delinquentes mais afoitos, era a menos violenta entre as comunidades cariocas. Existia um arranjo, digamos, um arremedo de acordo cavalheiresco entre os moradores do condomínio, ocupado por mais de cem casas de classe média alta, e os xerifes da favela. Os moradores davam emprego ao pessoal da comunidade, e, em troca, recebiam proteção. Essa insólita paz acabou quando Leonel Brizola assumiu o governo do Rio de Janeiro em 1982, e promoveu a ocupação das favelas cariocas com doações desordenadas de lotes. Rio das Pedras, entre a Barra da Tijuca e Jacarepaguá, atraiu milhares de famílias com a promessa do governador de legalizar os terrenos ocupados e invadidos e urbanizar a favela. O crescimento a partir daí foi incontrolável. Já estava entre o portão da minha casa e a calçada, dividido por um jardim florido, que eu mesmo cuidava. A Collins, a segunda rua de quem entrava no condomínio, era quase um breu. O sábado de Carnaval contagiava os foliões fantasiados, que subiam e desciam freneticamente as ladeiras do condomínio como estivessem abrindo os desfiles das escolas de samba, ou se exibindo nos concursos de fantasia nos multifacetados bailes espraiados pela cidade. Nem bem botei os pés fora de casa percebi que esquecera a credencial de acesso ao Sambódromo. Voltei para pegá-la. Meu carro, uma Brasília amarela, permanecia na porta desde a noite anterior, suplicando quase por uma trégua, depois de mais um giro errôneo pelo circuito de bares. Essa peregrinação terminava no Café e Bar Lamas, no Flamengo, onde invariavelmente todas as noites eu batia ponto, depois de deixar a Redação do Jornal do Brasil, em São Cristóvão. Ao tentar abrir a porta do carro, vi, de rabo de olho, que uma pessoa, com um objeto em uma das mãos, que tive dificuldade em distinguir, se aproximava de mim rapidamente. Parecia nervoso, mas vinha em passo firme em minha direção. A pouca luz na rua dificultava a identificação. Permaneci em pé. Dei-lhe as costas. Ignorei a sua presença.

A ação do desconhecido foi fulminante.

O tiro atingiu a minha nuca. A bala atravessou o crânio e abriu um buraco imenso na minha testa, por onde ela saiu carregando os toucinhos embranquecidos e avermelhados da massa encefálica. Com o impacto do tiro, minha cabeça estremeceu e tombou para frente e esquentou como uma bola de fogo. Ficou pesada. Fiquei zonzo. Fui perdendo o comando das pernas e segurei na porta do carro para não cair logo. Queria gritar, mas as golfadas de sangue fechavam a garganta, sufocando-me. Resistir? Permanecer de pé e pedir socorro? Como, se o corpo, inerte, estava paralisado? Não respondia mais a nenhum sinal de comando. Os olhos revirados, moribundos, começaram a se fechar lentamente. O sangue jorrava sem parar pelo buraco da cabeça e empapava a minha roupa e sujava a minha credencial de acesso ao Sambódromo. Que sensação esquisita! Tudo estava acontecendo em fração de segundos. Fui me desmoronando em slow motion. Curioso é que mesmo diante daquela situação escabrosa, da eliminação do corpo e da mente, eu não queria me machucar caindo com o rosto no asfalto e procurava, meio desajeitado, uma forma mais suave de chegar ao chão. Eu não tinha muita escolha. A bala havia paralisado todos os movimentos do meu corpo. Agora não enxergava mais nada. Uma nuvem cinzenta embaçava os meus olhos tingidos de sangue. O corpo, mesmo pesado, parecia flutuar. A sensação de leveza me levava a perder a autonomia, e eu começava a plainar como uma folha de papel ao vento. Caí, finalmente, sob o olhar perplexo e dos gritos assustados das pessoas que chegavam ao local atraídas pelo tiro. Eu, Jorge Oliveira, natural de Alagoas, 36 anos de idade, casado, pai de dois filhos, morri, às 19h35m do dia 2 de março de 1984, sábado de Carnaval, na porta da minha casa, na Rua Collins, 255, no Condomínio Floresta Country Club, Estrada Velha de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro. Por várias vezes manifestei à minha família o desejo de ser incinerado. Recomendei que as cinzas deveria ser jogada na Praia do Sobral, no Prado, em Maceió, onde nasci no dia 15 de setembro de 1948.