Renan Calheiros entre os mais influentes da política do Brasil

06/05/2015 15h03

renancalheO político exibiu sagacidade, força e resiliência suficientes para emergir das cinzas quando muitos acreditaram que estaria morto politicamente O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), é um sobrevivente. Daqueles que, classificados como mortos politicamente em algum momento, em outro exibem sagacidade, força e resiliência suficientes para emergir das cinzas e refazer a vida nos corredores do poder. Um político com a couraça de quem, imune aos mais virulentos e baixos ataques, resiste sem demonstrar tibieza ou desalento. Que reconstrói o passado e readquire musculatura política para continuar a ter poder no presente e no futuro. O senador peemedebista não teria tal poder, no entanto, se não apresentasse outros atributos: talento incomum para a articulação entre aliados e adversários, conhecimento profundo da gramática das relações entre o governo e o Congresso e competência rara para entender a sintaxe parlamentar e os desejos mais secretos dos seus pares. Foi assim, temido pelos adversários, admirado pelos aliados, com muitos votos em Alagoas e uma chuva de críticas no restante do País que Renan Calheiros arquitetou os alicerces que sustentam a sua condição de um dos homens mais poderosos da República. O senador é sujeito e objeto das circunstâncias. Pode ter renunciado à presidência do Senado em 2007, mas dois anos depois já ocupava listas dos mais influentes do País. E, em 2012, lá estava ele de volta à mais alta ribalta da Casa. Desde fevereiro de 2013 ocupa o cargo, driblando os adversários. Ou juntando-se a eles. Em seu terceiro mandato de senador, soma respeitáveis 18 anos no Senado. Como seu senador ou antes, como deputado, esteve com frequência além do comum esteve próximo ao poder – independentemente do inquilino do momento no Palácio do Planalto. Como seu partido, o PMDB. No governo Collor, foi líder da base de apoio ao governo na Câmara. No mandato de Itamar Franco, ocupou a presidência de uma subsidiária da Petrobras. No governo de Fernando Henrique Cardoso, já senador, foi nomeado ministro da Justiça. Com a eleição de Lula, instalou-se na base do governo e, com ela, foi elevado duas vezes à presidência do Senado – incluindo, como se sabe, o período correspondente ao mandato da presidente Dilma Rousseff. Não sem conflitos, recuos, cobranças e reviravoltas de todos os lados (Renan, PMDB, governo e integrantes da coalizão governista). Proezas do gênero não são destinadas a políticos amadores. Renan Calheiros é favorecido por um sistema que beneficia aqueles que melhor entendem a cosmologia do poder partidário. Mas sua trajetória como conviva quase permanente das festas de quem tem a caneta na mão revela um homem que sabe das coisas no métier que escolheu para trabalhar. Tome-se o exemplo do governo Dilma. A estratégia político-parlamentar do atual governo segue o modelo da coalizão de segurança máxima, herdada de Lula. Esse tipo de coalizão pode ser definido como aquele em que o governo angaria o maior número possível de parlamentares aliados, em detrimento da coalizão adversária, não deixando de fora ninguém que, em princípio, nela possa estar. A segurança máxima, no entanto, não impediu que a presidente Dilma sofresse derrotas importantes até aqui. Apesar de ser um dos aliados com maior poder nessa coalizão – ou talvez exatamente por isso – Renan Calheiros foi um dos artífices de algumas dessas derrotas. A multiplicidade de interesses que ela integra impõe custos consideráveis ao Planalto. É a condição da chamada coalizão-baleia: enorme e heterogênea. Os conflitos daí decorrentes tornam o presidente do Senado uma peça-chave na engrenagem das negociações. Afinal, entre outras muitas prerrogativas providenciais, cabe ao ocupante do posto pôr ou não propostas na pauta de votação.

Um Fusca rumo à política

Nada mal para quem teve uma infância modesta em Murici, município hoje com pouco mais de 26 mil habitantes, localizado a 50 quilômetros de Maceió. Um dos oito filhos de um pequeno produtor rural e uma dona-de-casa, Renan chegou a vender sandálias feitas com pneus velhos na década de 1970, época em que deixou a cidade para estudar Direito na capital alagoana. Ele era o que se pode chamar de estudante de esquerda. Presidente do diretório acadêmico da área de ciências humanas da Universidade Federal de Alagoas, ainda estudava e fazia movimento estudantil quando se elegeu deputado estadual pelo antigo MDB, partido que fazia oposição ao regime militar. Pareciam tempos difíceis não só para a democracia, mas para o próprio Renan – dirigia um modesto Fusca quando chegou à política. Ao morrer, o pai deixou-lhe uma pequena herança: 712 hectares a serem repartidos entre os oito filhos. Procuradoria denuncia Calheiros por suspeita de usar notas frias Os Calheiros, sublinhe-se, dominam a prefeitura de Murici há mais de uma década. O atual prefeito, Remi Calheiros, é seu irmão. Ocupa o cargo pela quarta vez. O vice é seu sobrinho, Olavo Calheiros Neto. Seu irmão Olavo é deputado estadual. Seu filho, Renan, é deputado federal (e já foi prefeito). Soraya Calheiros, esposa do prefeito e, portanto, cunhada de Renan, é secretária municipal de Assistência Social. Com o fim do bipartidarismo, filiou-se ao PMDB e, já bacharel em direito, conseguiu uma vaga de deputado federal em 1982. A partir daí foi alcançando voos cada vez mais elevados na política. Quatro anos depois assumiu a presidência do PMDB alagoano e elegeu-se deputado federal constituinte , sendo autor da proposta que facultou o voto aos 16 anos. Em 1988, mesmo apoiado pelo governador Fernando Collor, foi derrotado na eleição à prefeitura de Maceió. No ano seguinte, filiado ao Partido da Reconstrução Nacional (PRN), assumiu a assessoria de Collor na campanha vitoriosa à Presidência da República. Como líder do PRN na Câmara, em 1990, Renan divulgou o pacote de medidas do governo que confiscou a caderneta de poupança. Derrotado na disputa ao governo de Alagoas e inconformado com o silêncio de Collor em face das acusações de fraude, Renan Calheiros rompeu com o presidente, acusando-o de traição. Durante a grave crise política que se seguiu às denúncias de Pedro Collor, irmão de Fernando, Renan acusou PC Farias de comandar um “governo paralelo”, afirmando que Collor tinha conhecimento do esquema. Suas denúncias ajudaram a compor o manancial de ataques que levaram à renúncia do então presidente da República. Depois de uma passagem como vice-presidente executivo da Petrobras Química, elegeu-se senador em 1994. Em 1988, tomou posse como ministro da Justiça, o mais jovem da história a ocupar a pasta, do governo FHC. Reeleito senador em 2002, Renan e o PMDB decidiram apoiar o recém-empossado presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Naquele mesmo ano, José Sarney foi eleito presidente do Senado, permanecendo no cargo até 2005, quando o alagoano substituiu o maranhense, só deixando o cargo com as denúncias do escândalo que ficou conhecido como “Renangate” (referência ao “Watergate” americano).

Ano do calvário

De toda a trajetória política, o ano de 2007 foi talvez o seu maior calvário. Também presidente do Senado na época, Renan Calheiros precisou renunciar depois de enfrentar uma crise iniciada com denúncias de que suas contas pessoais eram pagas com dinheiro de propina de lobistas – o principal deles Cláudio Gontijo, funcionário da construtora Mendes Júnior. Na época, vieram à tona acusações de que a jornalista Mônica Veloso, com quem Renan tem uma filha, recebia pensão de valor incompatível com o salário do senador. Ele alegou que a despesa era paga com dinheiro de sua renda complementar, que vinha por meio de negociações agropecuárias (é dono da empresa Agropecuária Alagoas). O senador se apressou em apresentar detalhadamente notas fiscais para comprovar vendas de cabeças de gado e justificar os rendimentos, negando ter qualquer tipo de envolvimento com lobistas. A tentativa não convenceu o procurador-geral da República, que apresentou denúncia ao Supremo Tribunal Federal na qual afirma que as notas eram falsas. O caso tramita desde 2007, mas curiosamente voltou a andar na Procuradoria na véspera da eleição para a presidência do Senado, no início de 2013 – o que levou o senador a dizer que a atitude de Gurgel tinha “natureza nitidamente política”.

Volta Renan, Fora Renan

Mas o fato é que Renan voltou. Para o bem e para o mal de sua carreira política. Em maio, assumiu interinamente a Presidência do País, devido a viagens realizadas pelos primeiros da linha sucessória, a presidente Dilma Rousseff, o vice Michel Temer e o presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves. No mês seguinte, no contexto das manifestações de rua que se espalharam pelo País, o político foi alvo de uma petição que exigia seu afastamento das funções. O movimento “Fora Renan” conseguiu um documento com mais de 1,6 milhão de assinaturas. Mas Renan Calheiros sabe que sua força política e seus votos alagoanos exibem características que lhe tornam quase imune a protestos do gênero. Por essa razão, e por seu vasto repertório de talento político, ele continua mostrando que tem condições de voltar ainda por muito tempo.