40 anos sem Glauber Rocha: 4 filmes para conhecer o estilo glauberiano

23/08/2021 00h12

No dia 22 de agosto de 1981, o Brasil perdia um de seus melhores cineastas, o polêmico, lendário e brilhante Glauber Pedro de Andrade Rocha (1939-1981), o grande Glauber Rocha.

[caption id="attachment_543178" align="aligncenter" width="447"] Foto: Amiucucci Gallo, para VEJA[/caption]

Rocha figura entre os expoentes do Cinema Novo, movimento que, na década de 1960, propunha um cinema engajado na realidade do país e voltado para a transformação da sociedade. Glauber Rocha nasceu em Vitória da Conquista (BA) em março de 1939. Em 1947, mudou-se para Salvador e começou a participar do teatro da escola. Rocha frequentou a Faculdade de Direito da Bahia, hoje a Federal, onde participou de um grupo de cinema amador. A informação é do site Omelete.

O gênio baiano iniciou sua notável e inesquecível carreira em 1958, com o curta-metragem “O Pátio”, uma produção experimental de poucos recursos. Como lembra o Omelete, seu primeiro longa, “Barravento”, veio em 1961. A obra dele foi realizada no período que antecede ao golpe militar de 1964 e se estende à abertura política, no início dos anos 80, e todas as produções carregam com elas reflexos da sociedade e daquele contexto histórico.

Para Luís Antônio Giron, da Revista IstoÉ, seu legado está em tentar compreender o caos do Brasil para salvá-lo do atraso. Da crítica social de “Barravento” (1962) à confusão de Idade da Terra” (1980), passando pela alegoriaDeus e o Diabo na Terra do Sol” (1964), deixou nove longas-metragens de ficção e oito documentários.

Confira quatro obras de Glauber Rocha e conheça as caraterísticas do estilo glauberiano: BARRAVENTO (1962)

Primeiro longa-metragem de Glauber Rocha, Barravento já evidencia seu privilegiado olhar para o cinema, traduzido nas belas imagens conseguidas pelo diretor de fotografia Tony Rabatoni. A edição também merece destaque, obra do já experiente diretor Nelson Pereira dos Santos, que tinha realizado “Rio, 40 graus” (1955). Nesse quesito, reparem nos cortes rápidos da cena da tempestade, contrastando com o ritmo mais cadenciado do restante de “Barravento”, que preparam o espectador para um evento trágico. Contudo, se as imagens merecem elogio, o som peca pelo uso das falas dubladas e difíceis de se ouvir. Por isso, a música toma a frente dos diálogos.

DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL (1964)

O estilo do diretor revela uma ousadia maior do que vimos em “Barravento” (1962), seu filme de estreia. A câmera se movimenta bastante, é inquieta. Na sequência com os fieis do pregador, ela passeia pelos rostos das pessoas que o seguem e uma imagem de ovelhas indica a montagem ideológica inaugurada pelo cinema soviético, comparando os seguidores a esses animais tidos como subservientes. Além disso, Glauber Rocha coloca o espectador na posição dos fiéis, com a câmera no mesmo nível daqueles que estão ajoelhados, acompanhando a movimentação.

Depois, na cena mais chocante do filme, que envolve um sacrifício humano, a câmera filma em plongée a imagem de Manuel ensanguentado com a vítima no colo. Cortes rápidos, jump cuts, o uso da câmera participativa (falando diretamente ao público), se alinham aos sussurros sinistros que acompanham a cena. O uso do som, aliás, merece menção também no barulho da pregação nas cenas com o missionário, e no deslocamento do diálogo quando ele bate em Manuel.

Com isso, Glauber Rocha alcança em “Deus e o Diabo na Terra do Sol” um público amplo. Aqui, não há a restrição para o hermetismo que restringiria a aceitação dos seus filmes pelo chamado espectador médio. Por isso, ainda hoje, serve como porta de entrada para a filmografia de um dos mais respeitados diretores brasileiros.

TERRA EM TRANSE (1967)

O filme “Terra em Transe”, de Glauber Rocha, fez história no Cinema Brasileiro. Mais de 54 anos após seu lançamento, os temas abordados – terrorismo de Estado e a caça às bruxas, tudo em nome de Deus, da pátria e da família – não desapareceram com a redemocratização dos anos 1980. A democracia, a liberdade de expressão e a justiça social, valores inscritos na Constituição de 1988, ao longo de governos de direita e de esquerda, esbarram em obstáculos que ameaçam sua efetividade. Em tempos sombrios, a obra continua revelando a face amaldiçoada dos falsos profetas, cruzadistas que em nome da moral e da religião, referendam a liturgia do poder, fundada nas origens da colonização, em nome da preservação do eterno subdesenvolvimento.

O LEÃO DE SETE CABEÇAS (1970)

Teórico de um cinema político de interferência prática, da luta contra a dominação de todos os tipos e tempos e adepto a uma movimentação de caráter popular e engajado na mudança da Nação, Glauber Rocha não deixa de colocar nesta obra tudo aquilo que ele não tivera a oportunidade — ainda — de explorar em um filme sobre alguma situação de opressão popular ou perseguição a manifestantes aqui no Brasil.

O texto carrega um poder político notável, pelo menos em todo o seu desenvolvimento. O diretor percorre situações diversas e tomadas de poder através dos agentes históricos e da História da África sem que precise trocar figurino ou alterar o cenários. Essa força só diminui na reta final, não porque o filme adota a mesma postura ininteligível e pouco útil das primeiras cenas, mas porque corta, de maneira rápida demais, os meandros narrativos pelos quais tão bem caminhava.

O Leão de Sete Cabeças foi um marco na carreira de Glauber Rocha, um filme que definiria sua visão política mais investigativa; cronológica, por assim dizer, nas obras seguintes, mesmo em situações mais particulares e pouco louváveis como é o caso de “Cabeças Cortadas”. A despeito do começo irreconhecível e de um final pouco trabalhado pelo diretor, O Leão se sustenta bem e tem uma figuração final positiva para o público, com uma forte mensagem e poderosas imagens para ilustrar uma situação que vem se repetindo ao longos dos séculos: a gênese da dominação de um povo.

    *De onde foram retirados os trechos de críticas contidas no texto: