Pérola Negra e a estação da mudança
Em um canto do Brasil onde os galos agora cantam desafinados e os relógios trabalham por conta própria, vive-se sob a gestão do prefeito batizado pelo famoso cabeleleiro Zé da Emater, de "Pérola Negra".
Um prefeito cuja competência para a administração poderia ser comparada ao talento de uma sardinha para andar de bicicleta. Pois bem, Pérola Negra, insatisfeito com as revelações constantes de sua incompetência ao cargo, decidiu lançar sua própria arma de guerra contra a verdade: um programa de rádio financiado com o dinheiro dos contribuintes, e um podcast intitulado "Fala Negão".
O "Fala Negão" tinha um único propósito: servir de palanque para Perola Negra desfiar suas teorias, reescrever a realidade e apelidar qualquer um que ousasse apontar as rachaduras em sua gestão qualificada de "incompetente para baixo". A audiência em sua maioria de contratados era obrigada a sintonizar, não por interesse, mas pela curiosidade doentia de ver até onde um homem poderia ir para proteger seu trono de incompetência.
"Cidadãos de nossa querida cidade, aqui quem fala é seu líder inquestionável, o Pérola Negra, diretamente do estúdio mais cara de pau deste país!" começava ele, enquanto sua equipe, composta por contratados e babões, validava cada palavra com risadas e aplausos gravados. "Hoje, vamos expor mais algumas mentiras da imprensa mal-intencionada e dos políticos que não sabem perder!"
Nesse momento, o telefone do estúdio tocava. Era algum morador corajoso, ou como Pérola Negra gostava de dizer, algum "rebelde sem causa". "Alô, Pérola Negra, aqui é o José do Conjunto Casinhas. A creche aqui continua sem telhado, e as crianças estudando debaixo de chuva," dizia a voz do outro lado.
"Ah, meu caro José 'Chuvisqueiro', sempre com histórias espalhafatosas! Garanto que essa chuva é uma benção divina! Quem precisa de telhado quando temos fé? Mais fé, José, menos reclamação!" respondia o prefeito, enquanto sua equipe de babões e contratados aplaudia, transformando descaso em espetáculo.
Não havia problema grande o suficiente que não pudesse ser rebatizado e transformado em piada no "Fala Negão". Buraco na rua? "Reservatórios de ar fresco".
Falta de medicamentos? "Oportunidades de imunidade natural".
Corrupção evidente? "Inveja dos adversários".
O ápice da comédia involuntária era quando Perola Negra decidia atacar a imprensa. "E vamos falar dos jornalistas, os ‘russos do Paraguai’, que só sabem espalhar o pessimismo! A verdade, meus amigos, é como óleo; sempre sobe à superfície, assim como a qualidade de minha gestão, que é tão clara quanto água de rio depois de uma enchente!"
Ao fim de cada episódio, com o sol se pondo atrás dos montes de papelada inútil em seu gabinete, "Pérola Negra" desligava o microfone e sorria, satisfeito por mais um dia de realidade convenientemente ignorada. Mas o que ele não percebia era que, a cada apelido dado a quem lhe colocava contra a parede, cada desculpa esfarrapada, a verdade, aquela que ele tanto tentava pintar e repintar, ganhava mais força entre aqueles que realmente importavam: os cidadãos.
E enquanto a Pérola Negra brilhava na frequência modulada, a cidade, aos poucos, começava a sintonizar outra estação: a da mudança.