O provador
Crônica
A compra de roupas anual para as festividades é uma das muitas coisas que mais me irrita. A razão começa logo no gasto: os preços são absurdos, e o meu lado "pão-duro" já entra em alerta.
Depois, parece uma maratona inútil: passo horas escolhendo peças para, no fim, sair de mãos vazias ou, pior, levar algo que não me cai bem. Só de cruzar a porta da loja, já me pergunto: o que estou fazendo aqui?
Mas o verdadeiro teste de paciência começa quando entro no provador. Experimentar roupas se torna quase um experimento social, digno de um reality show comportamental da TruTV ou até de um programa de transformação de estilo da Discovery. Eu me vejo cercado por olhares avaliativos e aqueles pequenos sinais de desaprovação: o leve franzir de sobrancelhas, o olhar que diz "não está bom" sem que ninguém precise dizer uma palavra.
Isso é o de menos. Agora vem a parte fóbica do experimento. Para alguém tão metódico e ansioso como eu, as perguntas se multiplicam na minha cabeça, criando um verdadeiro Excel mental, com abas infinitas: Será que essa cabine foi realmente limpa? Quem usou isso antes de mim? E, sinceramente, por que a iluminação parece feita para destruir qualquer vestígio de autoestima que ainda reste?
Então chega o ápice do desconforto: despir-me naquele cubículo claustrofóbico, cercado por espelhos que não apenas refletem, mas amplificam tudo o que eu preferiria evitar.
Eu, completamente despido, só de cueca slip preta e meias brancas até a canela, no centro do cubículo. Sério, parece cena de um filme indie da Mubi, dirigido por um cineasta novato que se acha o máximo, repleto de contrastes dramáticos e referências dos anos 50. O roteiro? Assinado por um dramaturgo de meia-idade da Off-Broadway, que tenta misturar realismo com um toque de Brecht, só para parecer mais cult.
O cenário oscila entre o minimalista — cortinas baratas, paredes brancas e um espelho com uma placa acima alertando "Cuidado para não quebrar o espelho" — e o pretensiosamente sofisticado, com múltiplos espelhos, portas com fechadura e uma trilha sonora pseudo-descolada, tipo algum Summer Eletrohits da década passada, isso quando não tocam sertanejo genérico.
E, claro, a iluminação: sempre cruel. Seja o tipo minimalista, com uma luz fraca e outra lâmpada quebrada, ou o "sofisticado", com LEDs em excesso. Ambas destacam ângulos indesejados e jogam holofotes nos detalhes que eu preferiria ignorar, como a minha pancinha.
Mesmo em um espaço teoricamente privado, a sensação de estar sendo observado — mesmo que seja só eu me encarando no espelho — é sufocante. No final das contas, essa experiência só reforça minha filosofia: as roupas que já tenho podem durar mais uns bons anos.
Sinceramente, estou em paz com isso — minha camisa Polo de 2018 ainda está ótima. Sério, não entendo como alguém pode gostar desse ritual.