As mentiras sobre o carnaval

Por Edmilson Sá com Edmilson Sá 27/02/2025 09h09 - Atualizado em 28/02/2025 22h10

"Desnecessário dizer... O carnaval se relaciona com a comercialização de uma festa que se tornou um grande negócio, e em que a televisão e gravadoras, assim como agências de turismo (para não mencionar os proprietários de estabelecimentos de jogo e traficantes de drogas e prostituição), passaram a envolver-se profundamente. Nesse sentido como em outros, o Brasil... É o herdeiro da Nice do século XIX e da Veneza do século XVIII." (BURKE, 2000)

Sobre os carnavais, o historiador inglês Peter Burke afirma que para quem quer que more no Brasil hoje, é difícil deixar de ouvir músicas de Carnaval ou ver imagens de Carnaval o ano inteiro, sobretudo do Ano-novo em diante. Com a aproximação da Terça-feira Gorda, ou de Carnaval, os jornais trazem mais notícias carnavalescas, e cada vez aumenta a especulação sobre as relativas chances de diferentes "escolas de samba" (ou blocos carnavalescos), vencerem a competição... 

O Carnaval é apresentado como uma especialidade brasileira e visto como tal, também por muitos brasileiros comuns. Apesar disso (o carnaval), não tem necessariamente o mesmo significado para todos os participantes - rapazes da classe trabalhadora com necessidade de "desabafo", mulheres da classe média de meia-idade que querem se juntar ao "povo", turistas que veem a festa como um símbolo do Brasil, e assim por diante. Interação cultural entre diferentes grupos - elites e classes subordinadas, brancos e negros, homens e mulheres. É necessário lembrar, é claro, que as fontes para a história do Carnaval em geral oferecem uma visão "de cima", em que algumas atividades populares quase não são visíveis, mas, pelo menos no que se refere às classes dirigentes, esse modelo tem suas utilidades.

É essa circularidade cultural proporcionada pelos Carnavais que, talvez seja a única possibilidade – "digna" – que oferece ao rico e ao pobre conseguirem estabelecer contatos e, se a festa for de máscaras, tanto um como o outro estarão num mesmo plano sociocultural, mesmo que por pouco tempo. Contudo, as festas de Máscaras têm também suas origens nos carnavais europeus. A máscara dá, ao usuário, a possibilidade de ser outra pessoa ou, como na maioria dos casos, a possibilidade de não ser ninguém, isto é, de não ser percebido(a)... A chance de fazer tudo o que quer, deseja, sem que se saiba quem está fazendo. Usar a máscara tem toda uma conotação atual. Pois até as redes sociais, de uma maneira ou de outra, são máscaras, pois escondem e maquiam quem está por detrás delas... 

Infelizmente a maioria dos discursos - sejam quais forem as mídias - sobre o Carnaval, exclui ou não consegue perceber o carnaval como uma manifestação popular violenta (com usos de entorpecentes, livres e proibidos), sensual, inebriante, transplantada do Velho Mundo para nossas terras, romantizando-o. Mesmo quando se fala do carnaval – considerada a festa mais popular, eclética que conhecemos" (BURKE, 2000). Talvez, porque para vender um produto, ele precise ser apresentado com ares de novo, moderno, bom, acessível às massas, às famílias, crianças.

Talvez afirmar que os carnavais de antigamente eram melhores e não tinham o consumismo e tantas outras coisas , como hoje em dia, não seja coerente, pois como atentou Burke, tanto em tempos passados, como nos atuais o carnaval expressa uma ideia carnal, sensual, transgressiva, entorpecente e violenta: "Em fins do século XIX, houve uma campanha para substituir o "grosseiro e pernicioso entrudo" (como o chamou o jornal de Notícias de Salvador, em 1884) por alguma coisa mais "racional", "higiênica" e "civilizada", no modelo europeu (como dito anteriormente, parece que a elite brasileira desconhecia a importância de sexo e violência na tradição carnavalesca europeia)..." (BURKE, 2000) 

Não falo contra o Carnaval, até mesmo porque já brinquei, pulei, me fantasiei e ainda o faço, em muitos carnavais... Me refiro ao que não se fala sobre o Carnaval... Tirar a Máscara da hipocrisia é um bom começo... É preciso deixar, às claras, tais informações, para que assim, diante de quaisquer que sejam os acontecimentos, as pessoas saibam que tipo de festa é o Carnaval... Se se sentem seguras deixando seus filhos e filhas nessas festividades, entre outras...

Pois, quem já foi aos Carnavais do Rio, Olinda e Salvador, já sentiu, nas narinas, o "odor" dos carnavais. Urina, Lixo, Álcool, Sujeiras nas ruas e nas praias - além da violência, brigas, roubos, acidentes, mortes... Os excessos e consumos mudaram, mas a essência ainda é semelhante. Seja no século XIX, XX ou hoje em dia. O carnaval se metamorfoseou, maquiado, passando décadas como incólume e ingênuas festas para TODA FAMÍLIA, esquecendo-se que a festa carnavalesca (uma criação do Velho Mundo) praticamente exige transe, sexo, agitações, irreverência, violência, porres, drogas, prostituição.

Vale lembrar que, politicamente, o carnaval é, há muito tempo, Uma perfeita forma de dominação autoritária:
"Uma perfeita forma de dominação autoritária, a “felicidade”. Mas é interessante como ainda se insiste em criticar a Bahia... É claro que é só inveja da “genialidade” do projeto baiano... Enquanto o resto do mundo se força para controlar as massas, seja pelo capitalismo, socialismo, a guerra, a evolução, até o consumo; eles não... Eles só fazem o suficiente para gerar “felicidade”... Mantém todo mundo pobre, coloca o som pra tocar e puronto!...
...Tudo bem que eles sejam gênios, mas por que os que não querem ser “felizes” são obrigados a participar? Se todo mundo prefere ficar “feliz”, por que a gente não desiste de vez da bandeira da “Ordem e progresso” e assume definitivamente essa ficção barata da “felicidade Moribunda”, podre, mijada? Essa imagem aprimorada, enlatada, que é boa pra todo mundo - menos pra nós." (Sérgio Bianchi, Cronicamente Inviável, 2000)
"Enquanto a FELICIDADE imperar, Brasília vai sempre estar em FESTA..."

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