
Graciliano: o prefeito que não roubou

Ontem, 20 de março, fez 72 anos que nos deixou Graciliano Ramos. Mas quem disse que Graciliano nos deixou? Há figuras que mesmo enterradas continuam andando pelas calçadas, entrando pelas janelas da história, acendendo a lamparina da memória coletiva. Graciliano é uma dessas presenças. Um homem que vive — e inquieta — muito mais morto do que muita gente viva.
Sim, Graciliano, o do “Vidas Secas”, o de “São Bernardo”, o de “Angústia”, o da prosa cortante como o sol do sertão e reta como a vara do vaqueiro. O escritor de Caetés, mas também o homem público de Palmeira dos Índios. É sobre esse Graciliano que quero falar hoje. O Graciliano prefeito. O Graciliano gestor. O Graciliano que, entre 1928 e 1930, ocupou a cadeira de prefeito de nossa cidade e, dizem os mais antigos — e confirmam os livros e os arquivos —, foi o único prefeito de Palmeira dos Índios que não roubou e nem deixou roubar.
Diga-se com todas as letras, sem medo de errar nem de desagradar: Graciliano Ramos foi o único prefeito honesto da história deste município. O único. E essa afirmação não é da boca pra fora. É da boca da história.
Imaginem vocês um prefeito que fazia prestação de contas por escrito, em forma de relatório literário, ao governador. E que relatórios! Eram crônicas administrativas com pitadas de ironia, crítica social e uma honestidade brutal. Relatórios que se tornaram documentos históricos, referências de boa gestão e boa literatura. Um prefeito que enfrentava coronéis, cortava gastos desnecessários, combatia o desperdício e se negava a empregar amigos por conveniência. Um homem seco de palavras e de vícios.
Enquanto hoje se gasta com shows, se superfatura em praças, se joga dinheiro em calçamentos que não duram uma chuva, Graciliano consertava escolas, comprava livros, zelava pelo pouco que o município tinha — e prestava conta de cada tostão.
Tão honesto que, em vez de fazer amigos, fez inimigos. E quando a política local quis dobrá-lo, Graciliano largou tudo. Preferiu a máquina de escrever à máquina pública corrompida. Voltou para os livros, de onde nunca deveria ter saído — mas que sorte tivemos nós de tê-lo por dois anos na Prefeitura!
Hoje, 72 anos depois de sua morte, é mais do que justo lembrar não só o escritor consagrado, o imortal das letras brasileiras que não precisou ingressar na Academia Brasileira de Letras, o autor que traduziu a alma do nordestino com a precisão de um bisturi... mas também o prefeito de mãos limpas. O gestor que andava a pé, que lia relatórios à luz de lamparina e que jamais trocou a moral por uma reeleição.
Graciliano Ramos não era santo, não era perfeito. Era um homem de carne, osso e silêncio. Mas era, sobretudo, honesto — e, por isso mesmo, gigante.
Em tempos de tanto cinismo, corrupção e descaramento político, lembrar de Graciliano como prefeito de Palmeira dos Índios é um ato de resistência. Um gesto de memória. Uma oração laica à decência.
Que a lembrança de Graciliano Ramos continue incomodando os corruptos, inspirando os honestos e nos ensinando que é possível — sim, é possível — governar sem roubar. Ele fez. Ele provou. Ele vive.
E que assim seja.