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Confissões de um capitão (trecho)
Ainda não havia terminado o relatório, meu pelotão disperso no quartel descansava, lanchava, fui convocado novamente. Entrei no Gabinete do Comando, o capitão Maia analisava em sua mesa de trabalho um mapa do Recife. Pediu para que me aproximasse, foi instruindo a nova missão, patrulhar o Centro de Recife, dissolver qualquer tipo de aglomeração. Definimos roteiros, áreas possíveis de manifestações, estudamos os pontos estratégicos, os prováveis itinerários alternativos de ida e volta. A ordem era dispersar qualquer ajuntamento e, com o pelotão, fazer manobras, mudando o posicionamento em formas de combate de rua, demonstração de força como parte da guerra psicológica…
Na travessia da ponte Princesa Isabel sobre o Rio Beberibe, bem visível por grande parte do centro de Recife, comandei o pelotão variando formações de controle de tumulto, atravessamos aquela bonita ponte como se fôssemos para um confronto iminente. Um amigo assistiu às evoluções da tropa, disse-me, teve medo, parecia filme de guerra.
Durante o patrulhamento, tive uma visão melhor da situação. A Praça dos Campos das Princesas, onde fica o Palácio do Governo, estava ocupada militarmente, soldados em posição de tiro deitados e metralhadoras apontadas. Eram tropas do 14° Regimento de Infantaria e do 7° Regimento de Obuses (Artilharia). Nesse momento acontecia dentro do Palácio um fato histórico, eu passava sem imaginar o ocorrido.
Segundo o historiador Paulo Cavalcante, exatamente àquela hora o Almirante Dias Fernandes, que havia oferecido o quartel da Marinha para Arraes resistir, comunicava ao governador, em nome dos militares, as Forças Armadas unidas haviam deliberado desfechar uma revolução contra o Governo Federal para pôr fim à baderna reinante no país; solicitava a Arraes viajar imediatamente a fim de conversar com o presidente João Goulart, e que a Polícia Militar de Pernambuco ficaria, a partir daquele momento, sob o controle do IV Exército. O governador Arraes, segundo Paulo Cavalcante, ouviu tudo calado e respondeu pausadamente, como quem ditasse uma proclamação:
“Senhor Almirante. Talvez neste momento já seja prisioneiro do IV Exército. Talvez eu já atravesse a porta deste gabinete preso. Mas nunca os senhores conseguirão que o atual governador de Pernambuco saia desta sala desmoralizado. Eu tenho um mandato que me foi conferido não pelos senhores, mas pelo povo, e que termina numa data certa. Os senhores não me podem tomar essa representação que o povo me conferiu, poderão, no entanto, impedir-me de exercê-la pela força. Enquanto eu for governador de Pernambuco, não aceitarei a menor limitação às minhas prerrogativas constitucionais.”
Ainda era o governador, o Almirante saiu sem comentários. Só mais tarde uma tropa do IV Exército retornou e levou Arraes preso.
Por ali passamos sem imaginar o que acontecia dentro do Palácio. Continuei o patrulhamento pelas ruas do Centro de Recife. Algumas aglomerações eram dispersadas quando nos aproximávamos, o povo ainda não sabia o que realmente estava se passando, olhava assustado para o pelotão.
Na Praça do Diário de Pernambuco houve confrontamento de maior gravidade com tropas do 14° RI, resultando inclusive em mortes…
Patrulhamento calmo para o que se esperava. Poucas manifestações.
No meado da tarde encaminhei a tropa de volta ao quartel. Passava perto da Faculdade de Engenharia da Universidade de Pernambuco, quando ouvimos e vimos um agrupamento de estudantes gritando: “Viva Arraes! Fora o golpe!” Um sargento logo mostrou: “Vamos lá, tenente”. Respondi que eram apenas meninos e poucos, estava na hora marcada para o retorno do pelotão, no quartel eu informaria ao comandante. No íntimo, alguma coisa me dizia, depois tive confirmação, encontrava-se naquela pequena manifestação meu irmão Lelé, hoje batalhador engenheiro da Embratel. No quartel, fiz meu relatório verbal, omitindo conscientemente o caso dos estudantes. Mandei o pelotão dispersar e descansar, estávamos exaustos.
* NESTE DOMINGO (17) O LIVRO “CONFISSÕES DE UMA CAPITÃO” SERÁ LANÇADO EM 2ª EDIÇÃO E EDIÇÃO EM ESPANHOL ÀS 11:30 HS NO PAVILHÃO DE AUTÓGRAFOS DA 9ª FLIPORTO – FESTA LITERÁRIA DE PERNAMBUCO – OLINDA
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