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É carnaval
Há 74 anos eu nascia num ensolarado carnaval. Aos cinco anos, fantasiado de pierrô com lança-perfume na mão, frequentava o baile infantil da Fênix. Aos dez, moleque, acompanhava o carnaval de rua, atrás dos blocos. Durante a juventude, depois do ano novo, aguardava o carnaval chegar acontecendo nas pré carnavalescas, Baile do Hawaii, Preto de Branco, o chiquérrimo Baile de Máscaras no Clube Fênix onde a alegre e bonita burguesia em fantasia ou smoking , caía no passo. Ao amanhecer, banho de mar na praia da Avenida.
Quinze dias antes do carnaval a COC, Comissão Organizadora do Carnaval, realizava toda noite na Rua do Comércio a Maratona Carnavalesca, além do corso, fila de carros rodeando o centro, nas esquinas uma orquestra tocava frevança. Caíamos no passo junto às meninas virtuosas, soldados, empregadas, prostitutas, o povão se misturando na alegria da dança, sem diferenças, apenas sorrisos, remelexo do corpo, a alegria de traçar uma tesoura nos passos de um frevo.
Domingo anterior ao carnaval o animadíssimo Banho de Mar à Fantasia, desfile e concurso de troças, fantasias e bloco carnavalesco. A turma de Rubem Camelo, Bráulio Leite, Pitão, Santa Rita, Alipão, os irmãos Moura, em cima de uma carroceria puxada a trator, fazia críticas alegres à política, aos costumes, aos acontecimentos da época. Eles eram os arautos da animação, além de brincarem nas ruas, frequentavam clubes e biroscas da cidade. Foliões se fantasiavam com bom humor, Fusco, Tarzan, concorriam aos prêmios. Eu e amigos ficávamos apreciando a passagem dos desfiles diante à Comissão Julgadora aguardando uma tradição: todos os Blocos de Frevo ( Vulcão, Cavaleiros do Monte, Vou Botar Fora, Tudo ou Nada, Bomba Atômica, Pitanguinha Vai à Lua, Sai da Frente, entre outros) depois do desfile, se dirigiam à casa do Coronel Mário Lima, meu pai esperava com um “laco-paco” de maracujá, cerveja gelada e tira-gosto, os músicos adoravam, tocavam quatro a cinco frevos, a moçada caía no passo no enorme terraço da casa onde nasci, um bloco de cada vez, ia se revezando. O domingo terminava tarde, minha casa entulhada de amigos, convidados, penetras, o povo. Acompanhávamos o último bloco até desaparecer em Jaraguá ao anoitecer..
O carnaval iniciava à noite do sábado de Zé Pereira, primeiro eu brincava no corso em jipe, vestido de macacão e maizena na mão, meladeira herdada dos entrudos – primeiros carnavais no Brasil. Em toda esquina da Rua do Comércio uma orquestra de frevo animava o povão, dançando, cantando, amores surgindo, amores fugindo, é carnaval, tudo valia, amor de carnaval desaparece na fumaça. Quase meia-noite ao chegar em casa tomava um banho reativante rumo ao baile do Zé Pereira no Tênis Clube. A orquestra tocava marchinhas românticas, sambas e frevos até o dia amanhecer.
Domingo por volta das 10 da manhã a moçada já fazia fila, matinal do Clube Fênix, o calor retumbava com a música quente no Ginásio de Esportes, os foliões alegres bebiam de mesa em mesa, lança-perfume nos lenços e no ar. Todos conhecidos como se fosse uma imensa família, as moças bonitas, barriguinha de fora, dançavam em cima das cadeiras ao som das grandes orquestras e bateria de Escola de Samba. À noite depois do corso, mais festa, mais baile. Inexoravelmente vinham a segunda e a terça-feira, “um pé pra frente, dois prá trás, é hoje só, amanha não tem mais”. “Oh! quarta-feira ingrata chega tão depressa só pra contrariar”. A Orquestra do Maestro Passinha dava as últimas voltas no salão, finalmente o sol nascendo se dirigia à praia arrastando os foliões, dançando o Vassourinha na areia branca, fria, terminava num mergulho coletivo no mar azul esverdeado.
Cansados, molhados, sentávamos num banco da avenida, de mãos dadas, abraçados com a namorada, ainda tínhamos fôlego de beijar, e cantar: “Acabou nosso carnaval, ninguém ouve cantar canções. Ninguém passa mais, brincando, feliz, e nos corações saudades e cinzas foi o que restou… “
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