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Pânico

Assisto, no Art-Copacabana, a um dos clássicos do cinema italiano, o filme: A Família. Estranhamente, enxergo com dificuldade pelo olho direito. É como se entre mim e a tela existisse uma leve cortina de gaze. Penso ser alguma pequena irritação. Ao sair do cine-teatro, compro um colírio na farmácia mais próxima. Coloco várias vezes, por precaução, durante a noite. Observo, no dia seguinte, não haver nenhuma melhora. Estamos em dezembro de 1988. O Rio de Janeiro, que se fizera mais lindo, para melhor comemorar o nascimento de Jesus Cristo, perde, para mim, todo o encanto. Volto a Maceió. Procuro o oftalmologista Alan Barbosa. Dilata a pupila e procede a minucioso exame de fundo de olho. Constata o descolamento da retina. Sugere que viaje a São Paulo para fazer a cirurgia com o Doutor Tadeu Cvintal, um dos “monstros sagrados”, em sua especialidade, da medicina brasileira. Alan fizera parte de sua equipe, no período em que residiu na capital paulista.
Viajo em companhia de Luzia e de Alan Barbosa que, gentilmente, se prontificou a me acompanhar. É o rosto amigo, no mundo de estranhos do Hospital Santa Catarina. A anestesia me leva, aos poucos, à inconsciência de um sono sem sonhos. Soube depois que a cirurgia havia durado cinco horas. Ao acordar, encontro-me no mundo das trevas. Os dois olhos estão vendados. Sinto-me completamente cego. Entro em pânico. É como se tivessem me enterrado vivo. O desespero me domina. Tento, em gestos frenéticos, retirar as vendas dos olhos. Luzia acode, preocupada. Desesperado pela cegueira momentânea, peço para me doparem. Volto à inconsciência. Na manhã do dia seguinte, véspera de Natal, Doutor Tadeu e sua equipe, após os exames, mantêm sem venda o meu olho esquerdo, que havia sido cauterizado com raios laser. O enxergar, o ver pessoas e objetos, provoca-me um sentimento de renascer.
José Rodrigues Bastos e Dona Letícia me recebem, em sua residência, com o carinho oferecido a um filho querido. Apesar das amabilidades de que fui alvo, atravesso um período dos mais difíceis que já enfrentei. Impossibilitado de ler e escrever, não podendo fazer o menor esforço físico, dispunha de todo o tempo para pensar e refletir. Concluo que o viver sem visão não teria qualquer sentido. Perco as ilusões e as vaidades. A luta pela conquista do poder deixa de ser objetivo e transforma-se em algo efêmero e vazio. Liberto-me das ambições. Começo a valorizar as pequenas coisas. A leitura de um bom livro, ouvir músicas suaves, caminhadas solitárias, jantar a dois, cinemas, teatros, viagens, o hoje acima de tudo. O ser bom, justo, solidário, gentil, razões maiores da vida. A paz de espírito, a suprema felicidade.
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