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Fraternidade

14/01/2015
Fraternidade

É deveras gratificante contemplar o quanto a amizade já fez em benefício dos povos. Evidentemente, ainda não se atingiu – nem é lúcido esperar que se atinja em breve ou talvez nunca – o sonhado amor universal de que falam os religiosos e pacifistas, mas, o muito que a simples amizade, nascida da compreensão, da confiança e da comunidade de idéias, já construiu de grandioso e de permanente, prova que não são visionários os que predicam o amor como instrumento do progresso. Em verdade, toda conquista social é sempre fruto do esforço de um grupo ou facção, unido pela amizade que surge das crenças e esperanças comuns. Não é muito vasta a seara dos individualistas nas semeaduras sociais. E, mesmo quando a idéia vitoriosa brota de um homem só, a vitória é sempre conseqüência da adesão de outros homens.
Diante dos inumeráveis exemplos, que a História nos concede, talvez devessem os idealistas do meltiorismo realizar uma alteração tática, na qual se pregasse a amizade a alguns, em lugar do amor a todos. Não que a fraternidade universal seja uma quimera. Há, com efeito, em todos os homens, um fundo comum de inclinações que poderia vibrar em uníssono e sobrepujar as diferenças inarmonizáveis. Entretanto, em vista das crescentes divisões, provocadas por interesses antagônicos, é fácil concluir que a amizade entre iguais é muito mais viável que o amor entre desiguais. O homem começou sentindo amizade pela sua família. Depois, pela sua tribo, pela sua comunidade religiosa, pelo seu grupo étnico e, mais tarde, pelo seu partido político. Hoje, a solidariedade – que é uma forma dinâmica da amizade – estende-se a todos os componentes de uma nação, quando a unidade de espírito se apóia na convergência moral dos que pensam e trabalham sob a mesma bandeira. É perfeitamente possível que, algum dia, tal sentimento aumente em intensidade e cresça em extensão e venha a estreitar todos os povos do mundo num abraço fraterno. Aliás, por enquanto, um modesto desejo de amizade doméstica é mais válido que qualquer sonho de amor para exportação.
Seja como for, a experiência comprova que a afeição humana é sempre desejável, não importa o grau de hierarquia que ocupe, pois, os homens inclinados a fazer amigos são os melhores instrumentos da harmonia social. Procede bem toda pessoa capaz de simpatizar, pois este propósito a torna boa e a afasta do mal contra os outros e contra si mesma. A amizade é, destarte, uma fonte generosa de felicidade, que nos impele a sentirmo-nos elevados por tudo o quanto exalta moralmente os nossos semelhantes. Por isso mesmo, ser amigo exige um tipo especial de homem. É preciso ser forte; equivale a entregarmo-nos a um projeto sem temor à deslealdade e à traição; é preciso ser compreensivo, e, saber compreender, é privilégio de poucos; é preciso ser justo, pois condenar ou enaltecer as pessoas sem lhes entender os sentimentos e ideais constitui falta de moralidade. A amizade, em suma, fortalece o indivíduo e cria a grandeza moral dos povos, ao passo que, a falta de amizade, desagrega e vulnerabiliza. Eis, por que os suspic azes são anti-sociais: eles corrompem os outros e, sempre, buscam semear a discórdia; eis por que a falta de compreensão e de confiança equivale ao mal: ela é a simples maldade em ação.
É muito bom ter amigos. É muito bom nunca estar só.