Variedades

Carnaval, folia e história em Palmeira

07/02/2016
Carnaval, folia e história em Palmeira
O bloco mais famoso: os cangaceiros

O bloco mais famoso: os cangaceiros

Hoje, novamente é carnaval!… Quase nada me faz lembrar, aqui onde moro, o que marca o calendário. Nenhum indício, nenhum som de batuque ou de música, é visto ou escutado, vindo da rua ou de quaisquer lugares que sejam. A televisão só vai nos mostrar alguma coisa sobre o carnaval (mais concentrado nas praias do litoral alagoano), nos noticiários e nos flashs ocasionais. A programação das emissoras não é diferente da que é apresentada todos os dias. Se eu ligo o rádio, somente ouço músicas que são tocadas o ano inteiro. Apenas a voz do locutor nos intervalos comerciais, insiste em nos lembrar que é tempo de folia. Há mais empolgação nas propagandas, do que nas músicas tocadas!

Para um saudosista como eu, que experimentou os melhores carnavais da minha Palmeira dos Índios, tenho mesmo que estranhar, quando aos meus ouvidos chegam somente músicas baianas para animar a festa de Momo. É axé e forró eletrônico pra todo lado!…
Os meus carnavais, embalados pelos mais gostosos frevos e cantados nas marchinhas inteligentemente maliciosas, ou nos passos dos sambas que hoje são considerados clássicos da MPB, já estão longe no tempo. Sem medo de errar na minha afirmação, estas músicas eram a essência dos carnavais que eu curti até 1970.
Ansioso, eu mexo na sintonia do rádio, na esperança de encontrar uma estação onde a programação me brinde com frevos, marchas e sambas dos carnavais da minha época de folião. Se eu não fui este folião que pretendi ser, pelo menos eu tentei!…

O CORETO de Palmeira dos Índios (hoje destruído) ornamentado para o canraval dos 80 anos

O CORETO de Palmeira dos Índios (hoje destruído) ornamentado para o canraval dos 80 anos

Nas ondas médias do meu rádio eu procuro alguma emissora do Recife, aonde ainda é preservado o espírito dos antigos carnavais. Não consigo captar nenhuma. Mudo de faixa, passeando pelas ondas curtas, e nada escuto além dos chiados e emissoras de estranhas línguas de outros países. Isto faz aumentar a minha ansiedade e novamente mudo de freqüência, insistindo nas FMs. Percorro com o ponteiro do receptor, por todo o dial e só aparece música baiana e… pasmem, forró!… Isto mesmo. Forró eletrônico em pleno carnaval!… Irritado e desiludido decidi desligar o rádio. Foi aí que me lembrei de uma FM que fica no cantinho direito do mostrador. Lá estava a “Educativa- FM”, com frevos, marchas e sambas que logo me envolveram num clima de nostalgia, ali mesmo no cômodo da minha casa que, pretensiosamente dei-lhe o nome de gabinete. É neste recanto da minha morada onde costumo me recolher para fisgar do passado lembranças que tenho por hábito, escrevê-las. As imagens dos carnavais da minha terra, uma a uma, foram tomando forma e desfilando na minha memória, enquanto, avidamente, eu tentava descrevê-las no papel.
Logo me vejo com meus irmãos – Maninho e Fernando – todos nós crianças ainda. Estávamos fantasiados em macacões vermelhos, tênis brancos nos pés, e na cabeça um bonezinho de marinheiro. Pendurada por um torçal, cruzado em diagonal no peito, uma sacola de filó cheia de confetes e algumas serpentinas. Completando a indumentária carnavalesca, uns óculos de cor, feitos de plástico transparente que protegiam nossos olhos dos jatos de lança-perfume ou do pó – talco ou maizena – que faziam parte da festa. Nas minhas lembranças regredi até 1948, para resgatar estas imagens da minha infância.

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NO AERO CLUBE os grandes carnavais: Geraldo Sampaio e Cacilda (foto superior) e os amigos Hélio Teixeira e Ivan Barros (foto abaixo)

NO AERO CLUBE os grandes carnavais: Geraldo Sampaio e Cacilda (foto superior) e os amigos Hélio Teixeira e Ivan Barros (foto abaixo)

Correndo alegremente nas calçadas da Rua de Cima (Moreira e Silva) víamos desfilar á nossa frente, os carros do corso. Tudo isto foi no tempo em que minha mãe nos proibia de cantar a marchinha “Chiquita Bacana”, porque o padre Macedo havia censurado e condenado, por entender que esta modinha carnavalesca era um atentado ao pudor e julgá-la uma apologia à nudez. Outra música, esta gravada por Emilinha Borba, também nos foi proibida de cantar, por conta dos seus versos.

“Tomara que chova
Três dias sem parar!
Oi! Tomara que chova
Três dias sem parar!…

No início dos anos cinqüenta houve uma grande enchente no Rio de Janeiro e a crendice popular aludiu ao fato, como sendo um castigo do Céu por esta música. Puro disparate!…
Em 1950, a folia de rua em Palmeira dos Índios, começava a ganhar fama como uma das mais animadas do interior. Logo pela manhã, entrava no ar com músicas de carnaval, o “Serviço de Divulgação Cultural” da Prefeitura Municipal, criado na administração do prefeito Manoel Passos Lima. Vários alto-falantes, espalhados em alguns logradouros da cidade animava a população até à tarde, quando a folia se concentrava na Praça da Independência, em torno do coreto onde tocava a orquestra formada por músicos da terra.
Quem, daquela época, não lembra da tuba de seu Vange – pai de Genário – e que foi sucedido neste instrumento por Antônio Souto?… O próprio Genário era destaque com o seu saxofone, fazendo dupla com Castanha. Seu Ponciano soprava forte no trombone, juntando-se a Cícero Gordo que tocava instrumento semelhante. Nozinho, ainda jovem, e o seu cunhado Élson Oliveira tocavam os seus trompetes. Zé Moreno se esmerava no cavaquinho, acompanhado por Libório no violão. Hercílio Cruz ajudava a segurar o ritmo com o pandeiro, junto com Nelson Ferreira que tocava o bumbo. Zé Maria Macedo, hábil nos instrumentos de percussão, rufava o tarol na animação do frevo.
Êta… Carnaval gostoso!…
Muitos outros músicos faziam parte da banda do coreto que alegrava os antigos carnavais, porém, a minha memória não conseguiu lembrar todos.
A Praça da Independência era o foco da folia. Tudo se concentrava ali e, em torno dela, tudo acontecia sempre nas tardes. À noite a festa ficava reservada aos três clubes sociais da cidade. Os homens que não fizessem parte do quadro de associados do Aeroclube, do C.S.E. ou do Montepio, optavam pela volta para casa, ou uma “esticadinha” furtiva lá pras bandas da gandaia da Rua Chico Nunes. Mais precisamente para a boate de João Doceiro, uma das mais afamadas. Desta rua boêmia da cidade era donde saía o bloco que ficou famoso nos carnavais de outrora, pela irreverência ou por certa dose de ousadia – para a época – nas fantasias e nas danças das suas bailarinas. Era o “Bloco das Ciganinhas”, formado pelas mulheres do baixo meretrício. No seu desfile pelas ruas da cidade, horrorizavam as respeitadas senhoras da comunidade. Muitas casas trancavam portas e janelas à passagem daquelas alegres e irreverentes dançarinas. No entanto, se percebia os olhos curiosos, das puritanas e respeitadas senhoras, nas frestas das portas e janelas fechadas.
Em 1953 eu fui pela primeira vez a um baile carnavalesco. Eu tinha treze anos. Foi na sede social do C.S.E., na Major Cícero de Góes Monteiro. Fui sob ordens do meu pai, como acompanhante das minhas irmãs, que foram com os noivos.
Passados dois anos, desde o meu primeiro baile de carnaval, eu resolvi ir ao baile do Aeroclube. Eu não era sócio, nem filho de sócio. E dinheiro para o ingresso individual, me faltava. Não tive acesso pela entrada social. Juntei-me a dois outros “lisos” iguais a mim e entramos por baixo da cerca de arame farpado do terreno de seu Clóvis Ramos – vizinho do clube. O baile estava pra lá de animado, sob os acordes e o frenético ritmo do frevo. O medo inicial de ser descoberto por algum diretor deu lugar à total descontração na folia. Até “filava”, de algum folião rico, um esguicho de lança perfume no lenço.
Foi no meio da animação, que eu senti uma mão segurar firme o meu antebraço. Era um dos diretores do clube. Fui conduzido, sem apelação e sob os olhares dos mais curiosos, até a secretaria. Ali já se encontravam os meus dois companheiros daquela aventura mal-sucedida, além de dois outros que haviam pulado o muro do Posto de Saúde. Fomos então, “convidados” a nos retirarmos do clube pelo acesso social. O peso da vergonha sentida naquele momento, me fez jurar que só entraria ali quando, um dia, eu fosse sócio. Juramento feito… Juramento cumprido!…
Somente em 1962 me associei ao Aeroclube. Inicialmente como Sócio Contribuinte e depois na categoria de Sócio Patrimonial. Por volta de 1968 cheguei a fazer parte da diretoria do mesmo clube que, quinze anos antes, me expulsou do seu salão social, num baile de carnaval. Ironia do destino. Não é assim que se diz?…
Na história do Carnaval no Brasil, muitos são os fatos dignos de registro e válidos, enquanto informações. Como exemplo, citamos a música mais conhecida da folia momesca e talvez, a mais antiga que se tem notícia – “Viva o Zé Pereira” – adaptada de uma ópera francesa para uma troça (bloco) de 1869. “ Ô Abre Alas” – de Chiquinha Gonzaga – e “Jardineira”, são outras que se destacam no rol e fazem parte dos clássicos do carnaval e vem do século XIX, no entanto, são eternamente lembradas. O frevo “Vassourinhas”, considerado o hino do carnaval do Recife, é uma das eternas músicas da festa de Momo.
Nós que vivemos o carnaval como folia de tradição, de alegria e descontração, guardamos nos escaninhos da nossa memória, pelo menos uma dessas músicas da festa. Quando as escutamos, trazemos ao presente, bons momentos da nossa vida. É gostoso escutar essas músicas que nos amarram ao passado. Elas teimam em não se dissipar das nossas lembranças. Quantas músicas nos alegraram ontem, e hoje nos trazem saudades!… “Bandeira Branca”, “Evocação”, “Daqui Não Saio”, “O Teu Cabelo Não Nega”, “Cachaça Não é Água”, “Saca-Rolha”, “Quem Sabe, Sabe”, “Se A Canoa Não Virar”… E aquele frevo que era tocado e cantado no último dia da folia? Este não poderia deixar de ser lembrado. Podemos até dizer que é uma música inesquecível!…

“É de fazer chorar,
Quando o dia amanhece
E vejo o frevo acabar.
Oh! Quarta-feira ingrata
Chegou tão depressa
Só pra contrariar…!”

Ainda cabe aqui uma historinha ocorrida em 1997. Apanhei um ônibus, naquele domingo de carnaval e fui ver a folia da minha terra – Palmeira.
Durante a viagem eu já antecipava na minha cabeça, as cenas que eu iria encontrar por lá. Iria ver um animado bando de rapazes e moças dançando no ritmo de surdos e tamborins. Mais adiante, por certo, seria cercado por alegres garotos mascarados que me pediriam dinheiro, ou o “Lá Lá Urso” que assustava a criançada. Tudo isso eu imaginei.
Assustei-me logo quando desci do ônibus. Quê estranho!… Dali até a Praça da Independência, ou até aonde os meus olhos alcançaram, não havia mais que seis pessoas à vista, além dos poucos passageiros que vieram comigo da Capital. Apurei os ouvidos a fim de captar algum batuque, mesmo distante. O silêncio me arrepiou, pois era quase sepulcral.
Como estranhei tudo aquilo!… Segui pela Rua Major Cícero de Góes Monteiro e continuei o meu caminho, rua acima, pela Deodoro da Fonseca até a esquina do Montepio. Um rádio tocava a pleno volume, no alto da prateleira de uma lanchonete, uma música que nada tinha a ver com o momento de folia. Senti-me no meio de um pesadelo do qual eu logo acordaria. Mesmo tudo parecendo estranho, infelizmente era real!… Somente quando cheguei próximo da Catedral, me deparei com o único vestígio da festa de Momo. Um rapaz vestido num macacão listrado, tendo à cabeça um enorme chapéu de palha – tipo mexicano – e a cara suja de baton e talco. Ele tentou me cumprimentar, mas não conseguiu. Tão bêbado ele estava, que as palavras saídas da sua boca não eram entendidas.
Por tudo o que presenciei, eu me senti num cenário de cidade-fantasma, deserta e tenebrosamente silenciosa. A sensação de medo tomou conta de mim. No dia seguinte, logo cedinho, voltei para Maceió com toda a frustração que de mim tomou conta e com a constatação de que haviam, na verdade, acabado com os animados carnavais de Palmeira dos Índios.

# Esta crônica foi escrita há 18 anos. Lembranças do carnaval da minha terra levaram-me a momentos de nostalgia e induziram-me a pô-las no papel.