Política
Lava Jato encara teste de fogo em um eventual Governo do PMDB
A Lava Jato enfrentará em breve um de seus mais difíceis desafios. Na medida em que o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff avança e o vice Michel Temer fica mais próximo de ocupar o Palácio do Planalto, surge a pergunta: o que será da operação com o PMDB no poder? Caso se confirme o afastamento da petista em votação no Senado, o Executivo e as duas casas do Legislativo estarão sob o comando de peemedebistas. Os três chefes do Executivo e do Legislativo – Temer, Renan Calheiros e Eduardo Cunha – foram citados por delatores do esquema de corrupção da Petrobras.
Os dois últimos são alvos de investigação formal pelo suposto envolvimento na Lava Jato. Cunha, inclusive, deve ser alvo de duas novas denúncias, segundo o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, responsável pelos pedidos de investigação de políticos com foro privilegiado ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Se a situação de Cunha é mais complicada – ele já é réu no STF–, a de Renan e Temer tende a se agravar conforme novos acordos de delação premiada são firmados com a Justiça. Segundo a revista Época deste final de semana, o engenheiro José Antunes Sobrinho, um dos donos da Engevix preso desde setembro, disse aos procuradores ter pago propina a operadores que falavam em nome dos dois peemedebistas. Ele disse também que, durante os governos petistas, ambos foram responsáveis pela nomeação de afilhados políticos em estatais como a Petrobras e a Eletronuclear.
Além disso, em depoimento ao juiz federal Sérgio Moro, responsável pelos processos da operação na primeira instância, o ex-diretor da área internacional da Petrobras Nestor Cerveró afirmou na segunda-feira que Renan recebeu propina de 6 milhões de dólares (cerca de 24 milhões de reais) em 2006. O pagamento seria referente a um contrato de fretamento do navio-sonda Petrobras 10.000. O delator está preso desde janeiro de 2015.
Renan Calheiros, que será o responsável por definir o ritmo do andamento do processo de afastamento de Dilma no Senado, já é alvo de nove inquéritos no STF por seu suposto envolvimento no esquema de corrupção na estatal.
O senador havia sido citado anteriormente por outro delator, um dos entregadores de dinheiro do doleiro Alberto Youssef, como destinatário de propinas de 1 milhão de reais. No entanto, o senador ainda não foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República, que ainda investiga a ligação do peemedebista com o esquema. A assessoria de imprensa do senador negou a participação dele em qualquer ilícito, e afirmou que ele já prestou os esclarecimentos necessários, mas está “à disposição para quaisquer novos esclarecimentos”.
Pizza?
Os temores de que tudo acabe em pizza, com um acordo silencioso entre as lideranças do PMDB para que a Lava Jato não os alcance, foram reforçados no dia em que a Câmara aprovou a aceitação do pedido de impeachment de Dilma, no domingo. A votação ainda não havia sequer acabado, mas vários deputados já defendiam a anistia a Cunha no processo contra ele no Conselho de Ética da Casa. Ele enfrenta processo no colegiado por ter mentido na CPI da Petrobras, quando negou a titularidade de contas no exterior, posteriormente confirmada pelo Ministério Público Federal, e pode até mesmo ter seu mandato cassado.
Caso isso ocorra, ele perderia direito ao foro privilegiado, e a investigação contra o peemedebista pode ir para o implacável Moro. Para o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), a anistia a Cunha no Conselho é apenas o primeiro passo de uma série de acordos selados “inclusive no Palácio do Jaburu [residência do vice Michel Temer]”, e que culminarão com a “redução das ações da Lava Jato”. Em entrevista ao jornal NY Times, Temer mostrou-se ponderado ao falar de Cunha, e refratário a trabalhar pelo seu afastamento do cargo de presidente da Câmara. “É uma questão que o Supremo Tribunal precisa decidir”, afirmou.
Outra dúvida é sobre qual nome o atual vice-presidente poderia indicar para o Ministério da Justiça, pasta sob o qual figuram o Ministério Público e a Polícia Federal. Notícia deste sábado do jornalista Josias de Souza, da Folha de S. Paulo, apontava que o criminalista Antonio Claudio Mariz de Oliveira seria um dos mais cotados para a vaga num eventual Governo do PMDB. Oliveira, porém, já assinou um manifesto junto com outros juristas criticando excessos da Lava Jato, bem como um parecer questionando as razões que levaram à prisão preventiva de Marcelo Odebrecht. O que por ora é especulação poderia se tornar um pesadelo caso se confirme.
O temor dos procuradores
Os procuradores da força-tarefa da Lava Jato já haviam manifestado preocupação com uma possível ofensiva do Legislativo contra a operação. Isso pode se dar principalmente com a aprovação de projetos de lei que restringem as ações do MP, e com a reforma do Código Penal, que será discutida por uma comissão especial da Câmara. “Meu receio é que se aproveite o momento para introduzir regras que dificultem a responsabilização de políticos e corruptos”, afirma o promotor Rodrigo Chemim, do Ministério Público do Paraná. “Eu não ficaria surpreso se isso ocorresse”.
Temer e seus correligionários têm se esforçado para derrubar a tese de que um Governo do PMDB implicará uma operação abafa para livrar o pescoço dos políticos investigados pela Lava Jato. “Não existe risco de operação abafa, quem tenta manipular [a Lava Jato] é o PT e o Governo”, afirmou o ex-ministro da Aviação Civil Moreira Franco, próximo do vice-presidente. Segundo ele, as críticas feitas por Renan e Cunha à operação são normais, tendo em vista que “ambos estão tentando se defender”, e que “quem tem vida pública está permanentemente sendo citado”. “Já o Governo, quando critica, o faz no sentido institucional: pressiona o Ministério da Justiça, por exemplo”, afirma.
Em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo na cidade de Cambridge, nos Estados Unidos, o procurador-geral tentou mostrar tranquilidade quanto à continuidade da Lava Jato, em um cenário de instabilidade política. “A investigação para pôr fim ao escândalo que abala o país não será interrompida, mas terá um fim que não deve demorar”. Em conversa com o Estado, o presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal, Carlos Eduardo Sobral, afirmou que não será tolerada nenhuma interferência nos trabalhos da operação. “Se houver qualquer tentativa de intimidação e interferência nós vamos resistir e chamar a população para o lado da Polícia Federal”, disse.
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