Política
Começa a inesperada era Temer
Michel Temer aposenta a partir desta quinta o substantivo vice do cargo que ocupou nos últimos cinco anos para se apresentar como presidente do Brasil aos olhos do mundo. Ele sucede interinamente a presidenta Dilma Rousseff, sua parceira no poder desde janeiro de 2011, e assume o cargo de fato se o Senado aprovar a destituição definitiva nos próximos 180 dias.
Nesta quarta, o peemedebista acompanhou a votação do Senado ao lado de políticos no Palácio do Jaburu, residência oficial do vice, enquanto seus emissários mais próximos aparavam arestas com aliados para fechar novos nomes da equipe que assume o novo Governo Temer. A partir desta quinta, ele começa a despachar do Palácio do Planalto, de onde Dilma tirou seus últimos pertences pessoais nesta quarta. Como presidente interino, deve fazer um pronunciamento público no meio da tarde com um discurso conciliador, o primeiro de muitos para pavimentar sua chegada ao poder.
A realidade, porém, vai se contrapor às suas boas intenções. Temer assume a presidência com o peso de não ter passado diretamente pelas urnas, sofrendo a antipatia dos eleitores contrários ao impeachment que o chamam de golpista, e a desconfiança dos que estavam a favor da queda da presidenta. Sua popularidade é baixíssima – só 8% dos entrevistados em uma pesquisa Ibope feita há algumas semanas disseram esperar que Temer resolva a crise. Sua equipe encara com naturalidade essa baixa expectativa, pois o vice que se torna presidente ganha margem para surpreender positivamente. “Pretendo apresentar, logo no início, algo que seja útil e palatável para o país”, afirmou ele na breve entrevista concedida no último dia 3.
Tem um caminho longo pela frente. Encontrará o PT como oposição disposto a travar uma batalha intensa com o novo Governo depois da perder etapa crucial da queda de braço do impeachment. “Nós não vamos reconhecer Temer como presidente da República. Ele é golpista e encontrará protestos por onde andar pelo país”, disse o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) já na madrugada desta quinta, quando discursou da tribuna do Senado para anunciar que votaria contra a saída da presidenta.
No mesmo dia em que Temer discursa como presidente, manifestantes tomarão as ruas contra as perdas de direitos que sua política de austeridade deve impor. Ele garante que não mexerá em direitos sociais. Mas com o desemprego crescente, que deve cortar mais de 2 milhões de postos de trabalho este ano, trabalhadores se organizam para pressioná-lo.
Economia
Temer será o 36° presidente brasileiro desde a proclamação da República em 1889, e o 14° indicado para o cargo sem ser ungido pelos votos do eleitor.Encontra a economia em frangalhos, já no fundo do poço com projeção de queda de até 4% do PIB este ano. Tem a seu favor um mercado financeiro que apoia a sua equipe econômica, liderada por Henrique Meirelles, um economista com vasta experiência dos anos Lula (2003-2010), e que precisará implementar uma política de austeridade fiscal para colocar as contas públicas em ordem.
Mas o custo desses ajustes devem fomentar os protestos das ruas e o desprezo dos movimentos sociais que enxergam na figura de Temer um personagem conspirador, que usurpou o poder de uma presidenta eleita legitimamente com 54 milhões de votos, e que estará a serviço dos empresários que apoiaram e financiaram os movimentos anti-Dilma.
Para restabelecer pontes com a sociedade, o novo presidente promete investir no modelo do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, adotado nos tempos de Lula quando era conhecido como “Conselhão”. O ex-presidente reunia ministros, empresários, sindicalistas e representantes de movimentos sociais para debater saídas de problemas específicos e agilizar a criação de políticas públicas. O novo mandatário deve adotar o expediente para conciliar interesses.
Temer também já deu sua palavra de que não vai concorrer à presidência em 2018, o que lhe tira o peso de promover um programa de Governo visando lucros eleitorais, garante um integrante da sua equipe. Ele está mais focado nas reformas necessárias que nunca foram feitas de maneira profunda por outros presidentes. É o caso da reforma da Previdência, e a reforma política, que sempre travaram no meio do caminho, pela dificuldade de consenso. “Temer tem a vaidade de entrar para a história e sabe que terá de viver cada dia como se fossem dois para completar esse projeto”, diz um interlocutor próximo. Por isso os Conselhões podem ganhar um papel central nos anos Temer.
Fama de conciliador ele tem. Depois de eleger-se deputado nos anos 90 e ser reeleito diversas vezes, assumiu a presidência do PMDB em 2001. Com as boas relações, conseguiu ser presidente da Câmara dos Deputados em 1997, 1999 e 2009. Teria conquistado esse currículo por ser um um hábil negociador, algo que poderia favorecê-lo nas negociações com o Congresso para aprovar as duras reformas. O novo presidente leva seu partido, o PMDB, pela segunda vez para a chefia o Executivo no Brasil – a segunda por um vice que assumiu o papel de titular, ainda que a sigla tenha participado, como coadjuvante essencial, de todos os Governos desde o fim da ditadura. Antes dele, José Sarney, em 1985, chegou à presidência com a morte de Tancredo Neves.
Fim do casamento
Desde o início da carreira nos anos 80, Temer sempre foi identificado por sua atuação discreta nos bastidores do poder, o que favorece uma narrativa golpista. Não se sabe exatamente quando as relações entre ele e Dilma azedaram de vez. Até outubro do ano passado, conseguiram passar mensagens públicas de unidade, ainda que o terremoto político estivesse no ápice. O então vice chegou a acumular o cargo de articulador político do Governo Dilma para negociar com o Congresso as medidas de ajuste fiscal que o então ministro da Fazenda, Joaquim Levy, tentava emplacar.
Numa entrevista em setembro do ano passado para o Canal Brasil, o então vice se dizia incomodado pelos rumores de que tentava tirar o posto da presidenta. Semanas antes, em meio a uma guerra declarada entre o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e a presidenta Dilma, que fermentava a instabilidade política que começara no início do ano, Temer havia dado uma declaração pública dizendo: “O país precisa de alguém que possa reunificar o país”.
A declaração surpreendeu o mundo político, e foi interpretada por alguns como um recado de que ele indicava que era necessário “alguém” que não a presidenta para unir o país, mas sim, ele mesmo. “Deram-me o epíteto de asno. Sou tão burro que seria capaz de verbalizar uma coisa como essa. Se eu quisesse fazer isso [tomar o lugar da presidenta] eu agiria subterraneamente”, disse ele ao jornalista Jorge Moreno oito meses atrás. Mas, apesar do esforço de mostrar maturidade para as fofocas, eles já eram como um casal que viviam no mesmo espaço, mas dormiam em quartos separados, segundo pessoas da sua equipe. As relações se deterioraram ao mesmo tempo em que o processo de impeachment avançava.
No dia 7 de dezembro, cinco dias depois de Eduardo Cunha aceitar o pedido de destituição da presidenta encaminhado por juristas à Câmara, Temer deixou vazar uma carta que enviou a ela, onde expunha que as tensões entre ambos haviam chegado ao limite. Ele listava onze razões para o desabafo escrito. “Tenho mantido a unidade do PMDB apoiando seu governo usando o prestígio político que tenho advindo da credibilidade e do respeito que granjeei no partido. Isso tudo não gerou confiança em mim. Gera desconfiança e menosprezo do governo”, escreveu.
Conseguiram contornar a pendenga, mas a bandeira branca foi recolhida pouco tempo depois. O ano virou, o PMDB rompeu com Dilma no final de março e os petistas rotularam Temer de golpista e conspirador. “O Palácio do Jaburu tornou-se o comitê do impeachment onde se trabalhou para conspirar contra a presidenta”, disse na madrugada desta quinta a senadora Lídice da Mata (PSB-BA) para defender seu voto contra a destituição de Dilma.
Os discursos, porém, não foram capaz de reverter o resultado da votação no Senado. Dilma foi afastada com o apoio de 55 senadores. Somente 22 ficaram ao lado dela. O que ruma para ser o início do fim melancólico do ciclo de 13 anos do PT no poder, enxotado num processo humilhante de impeachment dois anos e meio antes do fim do segundo mandato de Dilma e o quarto dos petistas, dá início à jornada imprevisível e inesperada do professor de Direito que ingressou no PMDB nos anos 80 e começou sua vida pública como procurador do Estado de São Paulo em 1983. No fim da tarde de quarta, a nova primeira-dama, Marcela, saiu de São Paulo rumo a Brasília junto com o filho Michel, para acompanhar o marido no dia talvez mais importante da sua carreira. A satisfação de Temer contrasta com a apreensão do Brasil que começa um futuro incerto depois de um traumático impeachment em sua jovem democracia.
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