Política
Na luta pela anistia, Teotônio mobilizou sociedade civil e Congresso em defesa da abertura “ampla, geral e irrestrita”
Em seu livro “Teotônio, Guerreiro da Paz”, Márcio Moreira Alves conta que “a anistia aos que se opuseram ao regime militar autoritário, nascido do golpe de 1964, foi a mais demorada e a mais imperfeita da história brasileira”. E explica: os generais aceitaram a volta de exilados e a libertação de presos políticos depois de uma paciente luta de seus opositores, que conseguiram “aglutinar diferentes facções politico-ideológicas e uma opinião pública anestesiada pela censura aos meios de comunicação”. No centro dessa luta estava a figura de Teotônio Vilela.
Num primeiro momento, o senador, ainda na Arena, se aliou aos Comitês Brasileiros pela Anistia (CBAs) que, por sua atuação eficiente junto às entidades representativas da sociedade civil, conseguiram oferecer a Teotônio oportunidades para falar aos universitários e aos profissionais liberais.
Indicado por Paulo Brossard, líder do MDB, para comandar a Comissão do Congresso que analisaria o projeto de anistia encaminhado pelo governo, Teotônio reunia duas características essenciais para o posto: estava há bastante tempo pregando a favor da abertura e tinha acabado de formalizar seu ingresso no partido oposicionista. O lugar de comando, portanto, foi uma forma de saudar um parlamentar já há muito esperado naquele lado do campo de batalha.
“A ação de Teotônio não se resumiu ao trabalho parlamentar de condução da Comissão Especial. Ele visitou vários presídios onde havia condenados por delitos políticos. E isso deu uma dimensão extraordinária ao debate nacional sobre anistia”, conta o jurista Sepúlveda Pertence, que foi assessor de Teotônio na Comissão. Relator do parecer emitido pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) sobre o projeto do Executivo, ele explica que o texto dos militares tinha dois pontos polêmicos: o parágrafo primeiro, que se referia aos “crimes conexos” e concedia anistia aos presos políticos e aos agentes do Estado – acusados de prática de tortura – e o parágrafo segundo, que excetuava do processo os chamados “terroristas” – os condenados por integrar a luta armada.
“É claro que não se podia moralmente aplaudir este dispositivo que viria a tornar impunes atos da maior gravidade e da maior desumanidade, como foram muitos casos de tortura na repressão política. Mas a lei há de ser interpretada, vista e aplicada, conforme as circunstâncias do momento. E aquele foi o momento político de extrair do regime, ainda autoritário, a concessão da anistia que beneficiou inúmeros homens públicos, inúmeros cidadãos, uns forçados a longos exílios, outros a prisões, alguns à beira de ameaças de greve de fome e suicídio”, diz Sepúlveda. “Era preciso pagar um preço pela abertura que se pretendia”, completa.
Abraçado à causa da anistia “ampla, geral e irrestrita” e consciente de que os trabalhos da Comissão Especial cumpririam apenas uma formalidade – dada a composição do Congresso – Teotônio intensificou suas visitas a presídios, palestras e relações com setores organizados da sociedade, ampliando cada vez mais a simpatia da população à abertura. “O Teotônio fez com que a sociedade se transformasse na Comissão. A sociedade, os presos, os perseguidos”, disse Ulysses Guimarães em depoimento ao livro de Márcio Moreira Alves.
Para o ex-ministro José Gregori, Teotônio “era uma figura política com grande poder verbal, que exercia com contundência, não escondendo seus pensamentos”. “Empunhou a bandeira da Anistia desde a primeira hora, vendo nela um instrumento de reconciliação do Brasil partido pelo movimento militar”, escreveu Gregori, em artigo inédito e exclusivo para este especial do ITV.
“Sabíamos perfeitamente que dada a composição do Congresso Nacional e a postura do governo, uma resistência que ameaçasse a rejeição dessa extensão da anistia aos torturadores poderia resultar na retirada do projeto ou na sua derrota. Mais provavelmente, na retirada”, explica Sepúlveda Pertence.
O texto enviado pelo governo tramitou de 28 de junho a 22 de agosto, quando foi votado em tumultuada sessão do Congresso Nacional. O parecer do relator Ernani Satyro, da Arena, ex-ministro do Superior Tribunal Militar, foi aprovado em votação simbólica e convertido na lei 6.683/79. Teotônio, considerando o substitutivo pior que o texto original, retornou às ruas, reforçando a defesa de uma abertura geral. Mais tarde, diria: “A votação da anistia foi um dos dias mais felizes da minha vida. Só que eu sabia que a luta ia continuar, que a minha missão era redemocratizar o Brasil. Tinha muito chão pela frente para ficar por aí, no Plenário, dando pulinhos”.
“A aprovação da lei acabou sendo pela força que o Congresso detinha. A oposição marcou sua posição, mas foi derrotada. E embora combatendo e externando tudo o que havia de imoral e de pequeno nessa anistia proposta pelo governo, Teotônio entendeu que aquele era o preço a pagar pela grande medida de abertura, de prenúncio da retomada do processo democrático que acabou sendo a anistia de 79”, conclui Sepúlveda Pertence.
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