Política
Proposta que pretende acabar com funk chega ao Senado
Uma sugestão legislativa que propõe o fim do funk no Brasil tramita no Congresso Nacional desde o início do mês de maio. A polêmica ideia de acabar em definitivo com atividades relacionadas ao ritmo musical é de autoria do microempresário Marcelo Alonso, 46, um webdesigner paulistano que nutre uma profunda “cólera” pelo estilo.
Criador do site “Funk é lixo”, Alonso até flerta com a política em alguns momentos da entrevista. “Posso entrar para política para defender nossos valores morais, que estão sendo destruídos”, avalia. Casado e pai de um adolescente, ele mora numa casa simples em um subúrbio próximo à cidade de Guarulhos, região metropolitana de São Paulo.
O projeto não tem data para começar a ser debatido nem tampouco colocado em votação. Contudo, os debates vem ganhando força.
Confira o vídeo com a discussão sobre a sugestão legislativa de fim do funk
Críticos ressaltam aspectos de censura
Entre as pessoas que vivem e trabalham com funk, a proposta é fortemente criticada. “A ideia deste projeto é censurar o que as pessoas pensam, falam e vivem. A gente não pode tentar calar as pessoas”, entende o pesquisador Renato Barreiros, diretor do documentário “O Fluxo” (2014), sobre os bailes funk nas ruas de São Paulo e estudioso da cultura da periferia.
Barreiros traça um paralelo entre a proibição do funk e a ditadura militar. “Nos anos de chumbo, não existia só censura política, mas censura moral. Os generais diziam por nós: isso pode, isso não pode. O problema é que não se sabe aonde isso acabar tudo isso”, alerta. Estimativa da prefeitura de São Paulo calcula que cerca de um milhão de jovens se reúne aos fins de semana para se divertir embalados pelas batidas do funk.
“Apologia ao crime”
O autor da ideia, o microempresário Alonso, rebate o pesquisador. Para ele, os chamados bailes “pancadões” são somente um recrutamento marginal organizado nas redes sociais por e para atender criminosos, estupradores e pedófilos. “O funk faz apologia ao crime, fala em matar a polícia. Sou pai de família e se eu não me preocupar com o futuro, amanhã só teremos marginais”, diz Alonso.
Quase sem fôlego quando conclui as frases, Alonso emenda: “Os pancadões ou fluxos são arruaças, um quebra-quebra que danifica o patrimônio público, sem contar a falta de respeito para com a mulher, classificando-a como: cachorra, cadela, novinha, safada, puta, biscate.”
O microempresário acredita que as pessoas que curtem a batida da música abraçam uma apologia do mal. “Isso é crime. Essa turma usa a bunda como cérebro para convencer principalmente as crianças, adolescentes ou a mente em formação”, dispara. “Uso o meu intelecto para conscientizar os pais, pessoas de bem, formadores de opinião, policiais, pessoas ligadas à Justiça para mudar este cenário”.
Comunidade do funk reage
O paulistano Lucas Castro, popularmente conhecido como MC Taz, é outro que bate duro nos argumentos do autor do projeto. “Ele não tem conhecimento de causa para falar essas asneiras. Fala só por discriminação. A indústria do funk movimenta uma cadeia com centenas de empregos, além de ser a grande diversão dos pobres da periferia”, comenta.
Com cerca de 30 milhões de visualizações de seus vídeos no canal Youtube, Taz é um exemplo de como o funk é popular na internet. Canais de Youtube, como o Kondzilla chegam a ter 5 bilhões de visualizações de vídeos.
O produtor cultural Alan Silva, morador do Capão Redondo, periferia da capital paulista, é mais um que discorda do projeto. “A música leva autoestima aos jovens pobres que estão excluídos nas periferias”, diz. “Vinte mil assinaturas não dão direito a ninguém de acabar com a diversão de milhões de brasileiros. O funk é um grito de liberdade da periferia”, diz.
Seguindo o mesmo raciocínio, o funkeiro MC Balão condena a ideia legislativa. “O funk incentiva as pessoas a terem novos sonhos. Se antes o moleque da favela queria ser jogador de futebol, hoje ele quer ser MC”, avalia.
Para ele, o gênero musical é reflexo da vivencia deles nas ruas, nas comunidades. “Essa ideia é um ataque a liberdade de expressão. Eu canto o que vejo”, alega. “A Ivete Sangalo canta a Bahia, porque ela vive lá. Eu canto o que vivencio aqui na periferia”, conclui.
E-cidadania foi usado para sugestão
A ideia de Alonso pode se tornar realidade graças a uma medida importante adotada pelo Senado, em 2012, que busca aprofundar a participação popular no cotidiano político nacional, o “e-cidadania”. Funciona assim: qualquer pessoa pode visitar o site do Senado e registrar uma ideia de lei e se, em quatro meses, ela conseguir 20 mil assinaturas, o texto é encaminhado para o debate no parlamento.
Se a sugestão for aprovada, depois de tramitar pelas comissões e votações em plenário, vira lei. “Lancei e plantei democraticamente a semente de esperança para as pessoas que assim como eu acreditam que esse lixo será destruído”, afirma. O discurso de defesa da ideia está pronto na ponta da língua: “Não existe preconceito e, sim conceito formado de que o funk é lixo. Aliás, funk não é lixo, até porque o lixo pode ser reciclado”, provoca Alonso.
Romário será relator
Até agora, a iniciativa do microempresário deu certo. A ideia, que surgiu depois de Alonso ter por duas vezes sua página no Facebook derrubada por ser considerada propagandista de ódio, foi aceita no Senado no dia 26 de maio, depois de atingir 21.983 apoios. Em sorteio, o projeto foi parar nas mãos de Romário (PSB/RJ) para ser relatado.
O senador avalia ser um grande equívoco relacionar a ocorrência de eventuais atos criminosos durante os bailes funk com a manifestação artística e cultural que advém da música.
Para ele, “os bailes entretêm a juventude e levam divertimento para uma grande parcela da população, justamente para aquela que já se sente marginalizada pela pobreza e exclusão social”.
Além disso, diz o “baixinho”, deve ser observado que a violência, o desrespeito ao próximo, os atos de vandalismo, o uso excessivo de álcool e a exploração sexual são comuns a todas as festividades conhecidas e não são exclusividade dos bailes funk. “Certamente, durante o carnaval, podemos observar as mesmas cenas que chocaram os apoiadores da presente Sugestão, mas, nem por isso, sugere-se criminalizá-lo”, entende o senador.
Também, em direção diametralmente oposta a ideia de criminalizar o funk, o deputado federal Chico Alencar (PSol/RJ), rebate com veemência os sofismas do microempresário. “É preconceito, sim. Espero que essa ideia não prospere”. Autor de um projeto de lei que, ao contrário do quer Alonso, visa reconhecer o funk como forma de manifestação cultural popular digna do cuidado e da proteção do poder público, Alencar avalia que propostas como a apresentada pelo microempresário incentivam a violência ao discriminar um segmento importante da cultura nacional.
“O baile funk é a distração da juventude e dos mais pobres nas periferias”, diz o deputado. A proposta de Alencar caminha a passos vagarosos na Câmara dos Deputados e desde o ano passado descansa nos escaninhos do Congresso Nacional. “Ninguém fica parado diante de um funk maneiro, saudável e criativo”, argumenta Alencar.
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