Variedades
Melodrama de Visconti fez história
No Cinesesc , termina neste domingo de Páscoa, 1º, a repescagem da retrospectiva de Luchino Visconti, que tem permitido aos cinéfilos revisar a obra do grande artista morto em 1976, sem ter completado 70 anos. O último filme do programa reveste-se de um significado especial. Senso/Sedução da Carne, de 1954, inaugurou, na época, uma nova fase do artista. Provocou polêmicas apaixonadas. Tudo isso pertence à história. Decorridos mais de 60 anos – 64 – o filme é reconhecido como clássico.
Passa-se durante o Risorgimento, ao qual Visconti voltaria com O Leopardo, em 1963. O termo designa o movimento que, na história italiana, buscou, entre 1815 e 70, a unificação do país. A Itália não existia como tal, era uma coleção de pequenos Estados submetidos a potências estrangeiras. Nesse quadro, Veneza declara sua independência da Áustria. O filme abre-se no teatro La Fenice, com a representação da ópera Il Trovatore, de Verdi. Estudantes interrompem a função para gritar pela unificação. Verdi, na época, não era apenas um grande músico. Seu nome virou sigla, as iniciais para Viva o rei da Itália. Na trama, uma aristocrata, a condessa Lívia Serpieri, é prima do barão Ussoni, ligado ao movimento. Mas Lívia trai a causa ao se apaixonar por um oficial austríaco, Franz Mahler. Chega a desviar dinheiro da causa, que o primo deixou aos seus cuidados, para pagar dívidas de jogo do amante. Mahler é um canalha oportunista que termina por lhe cuspir duras palavras de desprezo. Isso precipita a tragédia final.
Aristocrata de nascimento, Visconti participou do movimento da resistência contra os fascistas e se ligou aos comunistas. Era chamado de conde vermelho. Filho de um mecenas da ópera de Milão – o Teatro Scala -, levou durante muito tempo uma existência mundana. Tinha haras, criava cavalos. Nos anos 1930, na França, foi apresentado por uma amiga – Mlle. Coco Chanel – a Jean Renoir, filho do pintor impressionista Auguste. Jean já era cineasta.
Visconti foi seu assistente. Tomou-se de amores pelo cinema. De volta à Itália, submetida à rigorosa censura do fascismo, ele empregou os processos realistas (naturalistas?) que absorvera de Renoir ao estrear na direção.
Fez Obsessão, em 1942, baseado na obra do escritor norte-americano James Cain. Antecipou o movimento que, no pós-guerra, seria conhecido como neorrealismo. A Itália, derrotada na guerra, olhava para a sua realidade em busca de um renascimento. Seis anos depois, em 1948, Visconti prossegue neorrealista em La Terra Trema. Como Serguei M. Eisenstein, quando foi filmar Que Viva México, Visconti sonhava com um épico revolucionário – a tomada de consciência, e talvez do poder, por pescadores sicilianos. O filme, porém, já nasceu sob o signo das contradições que sempre acompanharam o cineasta. Mais de um crítico considera A Terra Treme um marco estético – o mais belo, visualmente, filme italiano de todos os tempos.
Visconti, protestaram teóricos comunistas, cedia ao esteticismo. Ele ainda prosseguiu no movimento neorrealista com Belíssima, de 1951, oferecendo a Anna Magnani um de seus mais belos papéis. Por essa época, o Plano Marshall despejara toneladas de dinheiro na Itália, e o país se reerguera economicamente. O neorrealismo passou a ser contestado pelos próprios autores. Michelangelo Antonioni e Federico Fellini criaram o que ficou conhecido como realismo interior. Roberto Rossellini e Vittorio De Sica, os papas do movimento, embarcaram na trilogia da solidão (o primeiro) e na fantasia de Milagre em Milão e Ouro de Nápoles (o segundo). E Visconti? Abraçou a História, com maiúscula, e encontrou no Risorgimento o cenário perfeito para exercitar suas paixões pela ópera e pelo melodrama.
Sedução da Carne já nasceu grande, com cenas de batalha, impensáveis num cinema que, até pouco antes prescindia de recursos para filmar vidas anônimas. Visconti queria astros internacionais – o jovem Marlon Brando. Contentou-se com Farley Granger, mas não abriu mão de reconstituir a batalha de Custoza. A bem da verdade, uma derrota militar dos italianos, o que provocou escândalo, quando uma nova Itália ufanista queria sepultar as guerras, ainda mais esse portentoso fracasso. Lívia, magnificamente interpretada por Alida Valli, é a própria contradição. Trai sua classe, seu povo e se arrasta na lama, por amor. Revisto hoje, o filme, adiante de sua época, é dos maiores do diretor.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Autor: Luiz Carlos Merten
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