Variedades

Juliette Binoche fala sobre ‘Deixe a Luz do Sol Entrar’ de Claire Denis

01/04/2018

Juliette Binoche não tem nenhum problema em admitir a idade – 54 anos, que acaba de completar em março, dia 9. Ela nasceu em Paris, em 1964. “A idade cai bem numa atriz”, revela. “Para expressar as emoções dos outros (dos personagens), você tem de ter acumulado as suas. A vivência é importante. Sinto que sou hoje melhor atriz do que quando me iniciei. Tem a ver com maturidade, com a observação (dos outros e do mundo).” Juliette conversa pelo telefone com o repórter. Em Paris, pelo horário de verão, são 11h. No Brasil, 6h. Ela sabe da diferença de horário. Desculpa-se. “Ando com meus dias muito cheios. Se não conversássemos agora, dificilmente teríamos outra oportunidade.”

A entrevista é para falar de Deixe a Luz do Sol Entrar, o novo longa de Claire Denis, que estreou na quinta, 29. Em francês é Un Beau Soleil Intérieur/Um Belo Sol Interior. Juliette faz Isabelle, uma artista parisiense – mãe e divorciada – em busca do amor verdadeiro. Ela se lança em diferentes relacionamentos. Todos os seus homens a decepcionam. No final, entra o psiquiatra/Gérard Depardieu, gordo como um Buda. Com ele, Isabelle reflete sobre o essencial. “Para estar bem com os outros, você precisa estar bem consigo mesma” – é Juliette quem diz. “Se há uma coisa que aprendi na vida é que não adianta procurar nos outros respostas para as suas dúvidas e ansiedades.”

Deixe a Luz do Sol Entrar não é um projeto de Claire Denis, como também não foi o longa anterior da diretora – Les Salauds, Bastardos no Brasil. “O filme nasceu de uma encomenda. O produtor propôs a Claire e a outras diretoras que adaptassem os Fragmentos de Um Discurso Amoroso, de Roland Barthes. “Claire vai lhe dizer que não se trata de uma adaptação, talvez de uma inspiração. Adoro quando ela diz que o filme tem um perfume de Barthes.” E isso não foi intimidador? Afinal, Barthes está ligado a vários ramos do pensamento.

Filósofo, escritor, crítico literário, semiólogo. Ele usou a análise semiótica em revistas e propagandas, para destacar seu conteúdo político. Dividia o processo de significação em dois momentos – denotativo, que trata da percepção simples das coisas, e conotativo, que aborda as mitologias, e esse é um campo mais complexo. Tem a ver com as mitologias, os sistemas de códigos que nos são transmitidos pela cultura e adotamos como padrões.

Talvez seja a significação conotativa que impulsiona Isabelle a viver tantas decepções. A começar por seu primeiro amante no filme, interpretado pelo diretor Xavier Beauvois, todos os homens a decepcionam. A questão é – o que exatamente Isabelle busca nos parceiros? Qual é a sua fantasia? “Creio que sutilmente esse filme se inscreve num movimento atual das mulheres. Tem a ver com autoestima. Em toda parte estamos vendo as mulheres reagir à dominação masculina para se afirmar, o que é ótimo, mas tem havido muita confusão no processo. Os homens andam assustados, estamos num momento de redefinir limites. Os homens e as mulheres que somos. Os parceiros que queremos.”

Juliette observa que o filme não desfralda nenhuma bandeira, mas é sutilmente feminista pelo simples fato de haver sido escrito pela diretora com outra mulher, Christine Angot. “Através de Isabelle, elas expressam na tela o que muitas mulheres estão sentindo e vivendo. Na câmera, temos outra mulher, Agnès Godard. E o melhor é que o filme é produzido por um homem, Olivier Delbosc. Ou seja, apesar das disputas entre gêneros não precisamos fazer disso uma guerra.” Muitas vezes você ouviu a frase banalizada de que, por trás de um grande homem, há sempre uma grande mulher (anônima?). Juliette é a prova viva de que, por trás dessas mulheres maravilhosas, grandes atrizes míticas, existem sempre os homens, seus diretores. Ela não gosta de comparar – “É impossível” -, mas sua carreira é feita de encontros.

Trabalhou com Jean-Luc Godard (Je Vous Salue, Marie), Léos Carax (Sangue Ruim). Philip Kaufman lhe ofereceu seu primeiro papel internacional quando tinha 24 anos – A Insustentável Leveza do Ser. Depois vieram Krszystof Kieslowski (A Liberdade É Azul), Anthony Minghella (O Paciente Inglês), Abbas Kiarostami (Cópia Fiel), Bruno Dumont (Camille Claudel), etc. Alguns desses encontros foram decisivos. “É preciso muito tempo até cair a ficha do que significou ter sido dirigida por Kieslowski naquele momento da vida, e da carreira, dele. Kieslowski queria filmar o que escapa aos olhos. Me conduziu por um experimento radical de interiorização da personagem, da narrativa.” O repórter arrisca – A Liberdade É Azul era sobre uma mulher que perdia a família e viajava no próprio desespero para descobrir uma nova liberdade – de viver. Recomeçar. Não haverá um pouco disso no filme de Claire Denis?
“Claro que sim, e eu escolho sempre os filmes pelos papéis, pelos roteiros. Depois vem o meu desejo de trabalhar com os autores. Confesso que fiquei curiosa de saber como Claire ia contar sua história, construir Isabelle.”

Kiarostami? “Foi outro desses encontros mágicos. Abbas filmou muito crianças. Acho que de tanto olhar o mundo pelo olhar puro delas ele chegou a um depuramento radical. O tema de Cópia Fiel é o casal, copia em italiano. Filmar com ele na Toscana foi uma daquelas experiências que valem a pena. Te fazem repensar tudo. A arte, a vida.” E Bruno Dumont? “Bruno é fou/louco. Em Camille Claudel me fez representar com as internas de um instituto psiquiátrico. E em Mistério na Costa Chanel me propôs uma burguesa num registro de comédia exagerada. Gosto desses autores que me levam ao limite.”

Claire? “Tem gente que acha que os últimos filmes dela são obras mais contidas, de uma rebelde que vai deixando de ser transgressora. Eu não vejo assim. Aquilo que falei sobre a maturidade aplicada ao ator, acho que se pode aplicar também ao autor, ao diretor.” Embora consagrada como atriz, até estrela de cinema, Juliette mantém seu vínculo com o palco. No ano passado, eletrizou a plateia do Festival de Avignon com seu espetáculo sobre a cantora Barbara. Acompanhada ao piano por Alexandre Tharaud, Juliette assumiu o desafio de encarnar a poesia da cantora e compositora. Como assim, encarnar? “Trabalhei com um ‘coach’, preparador de corpo e de voz, para atravessar seus versos em busca da verdadeira Barbara, que não era uma feminista, mas uma mulher livre e verdadeira. Escrevendo a partir de sua vivência, ela foi grande.”

Um outro Festival de Cannes se aproxima. Juliette é uma habitué daquele tapete vermelho. No ano passado, com o filme de Claire Denis, esteve na Quinzena dos Realizadores. O repórter aposta que estará de volta a Cannes com o novo filme de outro habitué, Olivier Assayas. Ela desconversa, mas, sim, adorou reencontrar seu diretor de Acima das Nuvens. Non Fiction, com Juliette e Guillaume Canet, aborda a crise de um casal no quadro da crise das editoras, na passagem para o e-book.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Autor: Luiz Carlos Merten
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