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A ética do desinteresse, a vida em comum
A cultura do ódio trazida para a vida pública, especialmente para a política, nos desobriga dos encargos cívicos. Ódio é uma paixão, a paixão sobrepõe-se à lucidez. À esquerda ou à direita, bota-se fé em um salvador da pátria: o meu “mito” de nós todo\as zelará por todo\as nós; cuidará do que deve ser um continuado cuidado comum. Uma relação viciosa: despolitização leva aos “mitos”, os mitos despolitizam.
Esgarçamos nossos laços de confiança institucional. Não acreditamos nos nossos políticos, não acreditamos nos nossos juízes, não acreditamos nos nossos policiais, não acreditamos na nossa imprensa. Não emprestamos credibilidade a praticamente nenhuma instituição da República. Há notícia de parcas melhoras, nada perto do necessário para as relações da Sociedade com o Estado serem as adequadas.
Não compreendo como as coisas seguem funcionando. Talvez a Sociedade seja sensata o suficiente para que a maior parte de nós cumpra minimamente os deveres de convivência e dispensemos a orientação das nossas autoridades. Duvido disso, mas creio que a maioria dos brasileiros dispensaria mesmo as pessoas públicas da Nação. E se conseguíssemos sucesso na empreitada, como ficaríamos?
Brinco que talvez os anarquistas (corrente política e filosófica que defende que o mundo pode se virar muito bem sem governo institucional), no Brasil, tivessem bons argumentos. Mas suspeito que não acreditaríamos nos anarquistas. Em resumo: a meu ver, regra geral, a vida pública não nos interessa. As estatísticas dizem que alguns dias após uma eleição 80% de nós não sabem mais em quem votaram.
Mas queremos solução. Os “malditos” políticos, juízes e policiais que não sabemos quem são e nem queremos saber não dão conta do recado. São pagos para isso e não resolvem. Quer dizer: estamos despegados de nossas autoridades, não acreditamos nelas ao tempo mesmo em que exigimos que elas nos deem respostas. Não vão funcionar. Enquanto isso, cresce entre nós uma espécie de Estado paralelo.
Pelos tempos da História nacional, um expressivo contingente da população foi tão largado à própria sorte, que se obrigou, sob pena de perecer, a cuidar de si de modo “alternativo”. “Apenas nos anos 90 a bandidagem organizada no Rio causou cerca de 20 mil mortes, pôs armas nas mãos de crianças, estraçalhou famílias e disseminou a corrupção” (Superinteressante, nov2007). Claro, não é só a “bandidagem”.
Dos anos 90 até hoje isso só se alastrou e aperfeiçoou. Esses grupos possuem granadas e metralhadoras, fuzis potentes e morteiros. Consta que já se encontraram tanques de guerra em seus domínios. Essas organizações assaltam com sucesso quartéis da PM; não dão trégua nem ao Exército Nacional. Que fazer com tal capacidade de operação? Como se organizar para enfrentar eficazmente tal aparelhamento?
Ora, temos que nos voltar à recuperação da República. Precisamos nos preocupar com a preocupação dos políticos. O nosso primeiro problema é a questão pública. Enquanto estamos (sempre) à beira de uma conflagração civil, temos eleitores desinteressados em tudo, temos autoridades voltadas aos próprios interesses, temos uma parte da Sociedade se articulando (com razão para fazê-lo) à margem do Estado oficial.
A ética do desinteresse levou ao abandono da vida pública, o que nos conduziu à renúncia da política. Odiar é mais simples que dialogar. Isso adveio do desprezo pela vida em Sociedade. Nossa violência é o desdobramento da histórica divisão social que nos faz o País com a pior distribuição de renda do mundo. Ou nos organizamos politicamente em uma República de todos, ou não haverá a paz de uma Nação em comum.
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