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Quando a morte valoriza a vida
Deus, em Sua sapiência, empresta ao homem oportunidade para enfrentar situações críticas, entendendo a importância de tudo o quanto dispõe, embora nem sempre valorize. Em alguns momentos Ele usa a morte para mostrar a importância da vida. Imbuído destas ideias, acredito que, durante o período vivido na terra, pelo menos em uma oportunidade todos morremos, sem realmente fazê-lo. São situações às quais a frase: escapei por um triz, se aplica com perfeição. Comigo mesmo tal fato aconteceu há alguns pares de anos.
Estávamos, toda a família, celebrando as Bodas de Diamantes de meus pais em hotel, no litoral baiano, quando de repente aconteceu. Lembro haver caído em precipício imenso e enquanto meu corpo descia, tudo pareceu deslocar-se de seu eixo. A manhã brilhante com a qual estava a conviver, perdeu sua graça abrindo espaço a um horizonte pálido, demarcado por uma multidão, à espreita, com movimentos desconexos, frases abafadas e até constrangida. As ruas por onde flutuava, comparavam-se a veias rompidas. Mais adiante, vi alguém conhecido, era meu avô Chiquinho, falecido décadas antes. Ele parecia me esperar pois me chamou para passear.
Indaguei para onde me levaria. Ele disse que caminharíamos por minha própria vida: Aí vi-me criança, lá no Colégio Marista; Depois, vivenciei momentos perfeitos cujos detalhes o tempo me fizera esquecer: a primeira vez que vi Ana com sua pele clara, olhos de anjo, perfil de deusa, minha eterna namorada, a garota saudável, que nem o decorrer dos tempos fez perder qualidades e perfeição; As imensas alegrias ao lado de minhas filhas; a chegada de meus netos; a convivência na Academia Alagoana de Letras e com meus alunos na UFAL; os bons momentos vividos com meus pais; As viagens pelo mundo; Os livros que escrevi; As pessoas boas com quem convivi. Revi até a construção dos pilares de minha história.
Meu avô Chiquinho parecia feliz por me ver, mas demonstrava querer me falar. Meu deslumbramento com o que vivenciava, porém, era tão intenso, que não atentei para o que ele me queria dizer e, muito menos, para o fato de que eu saíra no “melhor da festa” sem me despedir de ninguém, nem cantar o parabéns para você, que meus genitores tanto mereciam. Fora tão rápido que nem pude recolher a camisa dependurada na cadeira onde estivera sentado, ou tomar a dose de whisky que acabara de servir. Neste momento, segurando-me pelos braços, vovô falou em meu ouvido ter havido um engano e que eu precisava voltar.
Retornei à realidade e me vi ainda em queda livre, só que, ao invés de me espatifar no chão, afundei na água. Mesmo assim, devido à violência da pancada imaginei haver perdido por inteiro a perna direita. Devo ter desmaiado. Recordo-me que, ao abrir os olhos enxerguei Arthur, meu neto, ajoelhado em meu peito e, bem ao lado, Rostand meu pai. Foi então que notei: Vovô Chiquinho desaparecera. Mas ele tivera razão. Eu voltava à vida...
Cada dia mais me convenço: a morte é um exagero definitivo e, por isto devemos nos esforçar para “morrer sempre” mas, de amor e carinho por todos aqueles que fazem por merecer.
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