Internacional
Análise: Milei vence primárias argentinas ao criar conexão emocional com eleitor e pautar agenda eleitoral
Raciocínio de seus eleitores é simples: os peronistas fracassaram, o governo de Mauricio Macri (2015-2019) fracassou, e Milei merece uma chance
A vitória do candidato de extrema direta Javier Milei nas Primárias Abertas Simultâneas e Obrigatórias (Paso) deste domingo na Argentina deixou o sistema político tradicional do país — governo e oposição de direita — em estado de choque. Nenhuma pesquisa, pública ou privada, antecipou um resultado tão favorável ao “Leão”, como é chamado Milei por seus seguidores.
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Como se explica um resultado inédito para a política argentina, e quais são as possíveis estratégias de seus adversários no primeiro turno presidencial, em 22 de outubro, para conter o crescimento de um líder político que propõe acabar com a “casta que destruiu a Argentina”?
O voto por Milei, explicam analistas como Carlos Fara, é transversal, ou seja, atravessa todos os setores sociais — das classes mais altas às mais baixas — , e se concentra em eleitores de menos de 30 anos, pouco ideologizados. Fara utiliza o termo “trumpismo argentino” para se referir aos libertários, como se autodefinem os seguidores do líder e fundador do partido A Liberdade Avança.
Milei venceu em 16 dos 24 distritos eleitorais do país, sendo muito forte em regiões populares onde antes dominava o peronismo. Existe um esgotamento do peronismo — kirchnerismo e peronismo tradicional —, e nesses setores, onde Milei se impôs com contundência, a aliança opositora tradicional Juntos pela Mudança não conseguiu convencer.
Milei foi o único que fez propostas — na grande maioria dos casos polêmicas — que tiveram repercussão na sociedade. O candidato da extrema direita defende, por exemplo, o fim do Banco Central, o livre porte de armas e a venda de órgãos. Sem conseguir ter o mesmo impacto social com seus programas de governo, os demais candidatos dedicaram grande parte do tempo a comentar as ideias de Milei. Nas ruas da Argentina se ouve com frequência a frase: “O único que tem propostas, mesmo que não sejam perfeitas, é Milei.”
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Enquanto a economia argentina mergulha numa crise cada vez mais profunda, o candidato da extrema direita, que é economista, prega a dolarização e diz saber como resolver o drama de uma inflação que supera 100% ao ano.
Seu discurso penetrou, como diz Fara, de forma transversal. É comum ouvir estudantes de universidades particulares defenderem o voto por Milei, com o argumento de que a Argentina precisa mudar, e essa mudança deve ser radical. O raciocínio deles é simples: os peronistas fracassaram, o governo de Mauricio Macri (2015-2019) fracassou, e Milei merece uma chance.
Sobre este pano de fundo, a direita tradicional, que terá como candidata a ex-ministra Patricia Bullrich, precisa encontrar maneiras de se conectar com amplos setores da sociedade que não parecem dispostos a ouvir nada que venha da casta combatida por Milei.
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A aliança Juntos pela Mudança perdeu muito tempo resolvendo sua disputa interna e, durante esse período, construiu uma conexão quase emocional com seus seguidores. O fenômeno é o candidato, não seu partido, que perdeu em todas as eleições regionais, e nas Paso ficou em terceiro lugar na votação para candidatos a prefeito de Buenos Aires.
Bullrich, a mais carismática dos dirigentes da oposição, precisa recuperar o tempo perdido. Uma de suas principais vantagens em relação a Milei é estar respaldada por uma aliança que tem estrutura nacional, controla governos provinciais e tem uma equipe preparada para governar. Milei, até agora, não conseguiu construir um partido nacional e não apresentou ao país um time qualificado de colaboradores.
O ministro da Economia e candidato do governo Sergio Massa tem pela frente o desafio mais difícil. Sem conseguir melhorar os indicadores econômicos do país, sobretudo a inflação, Massa não terá elementos para crescer no primeiro turno e corre o sério risco de ficar fora do segundo. Entre as Paso de 2019 e as deste ano, o kirchnerismo perdeu 6,5 milhões de votos. A Casa Rosada precisa mostrar bons resultados, é sua única alternativa.
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Um dos que entenderam o fenômeno foi o ex-presidente Mauricio Macri, que dialoga com frequência com o candidato da extrema direita. Mas a grande maioria dos dirigentes da Juntos pela Mudança rechaça um eventual acordo com Milei, algo que Macri defende – mais ainda depois do resultado das Paso. É um caminho que poderia ser explorado, embora com resistências internas.
Milei representa um voto de revolta, e tanto Bullrich como Massa são representantes de um sistema político que os eleitores do candidato da extrema direita argentina rechaçam por sucessivos fracassos. Em dezembro, a democracia argentina completará 40 anos, e nesse período o país atravessou uma sucessão de crises que empobreceram a sociedade e criaram um clima de desânimo nacional.
Fruto desse processo de decadência política, social e econômica, Milei diz ter a capacidade de transformar a Argentina numa potência, como foi nos primeiros anos do século passado. Mais do que acreditar que isso é possível, milhares de argentinos decidiram castigar nas urnas os que nas últimas décadas foram responsáveis por condenar o país ao atraso e a torná-lo inviável.
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