Internacional

Clima de tensão após assassinato de Villavicencio e incerteza nas pesquisas marcam eleição

Candidata apadrinhada pelo ex-presidente Rafael Correa perde pontos percentuais, enquanto 'Rambo' aparece com chances de chegar ao segundo turno

Agência O Globo - 20/08/2023
Clima de tensão após assassinato de Villavicencio e incerteza nas pesquisas marcam eleição

O assassinato do candidato Fernando Villavicencio, a poucas semanas do primeiro turno das eleições presidenciais no Equador, chocou o país, aumentou o sentimento de insegurança — tanto entre candidatos, que agora aparecem com coletes a prova de balas, quanto entre eleitores — e mudou completamente o tabuleiro político. Se antes da morte, a candidata apadrinhada pelo ex-presidente Rafael Correa aparecia bem à frente nas pesquisas, com chances de vencer ainda no primeiro turno, agora há quem nem a coloque em um provável segundo turno.

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Apesar de ter perdido pontos na reta final, Luisa González, do Renovação Cidadã, de Correa, continua liderando as pesquisas, mas o segundo e o terceiro lugar estão mais que nunca em aberto. O candidato outsider Jan Topic, com propostas duras no combate à criminalidade, e Daniel Noboa Azin, filho do magnata e ex-candidato Álvaro Noboa — dois dos vencedores do último debate — agora aparecem como cotados para avançar no pleito. Enquanto isso, nomes mais conhecidos, como o do líder indígena Yaku Pérez e o ex-vice-presidente Otto Sonnenholzner caíram nas pesquisas.

Todos os especialistas concordam que a mais afetada é a correísta, que perdeu cerca de 10 pontos percentuais em uma semana. Seu fraco desempenho no debate após o crime, e uma tentativa de candidatos da direita e de parte da opinião pública de tentar vincular o ex-presidente ao assassinato — Villavicencio era um anti-correísta ferrenho e denunciou supostos esquemas de corrupção do ex-presidente —, ajudam a explicar o cenário. Além disso, a tentativa do Renovação Cidadã de tentar impugnar a candidatura de Christian Zurita, substituto de Villavivencio, também podem ter tirado parte dos votos, explica o cientista político Manuel Macías, professor da Universidade de Guayaquil.

— A ação foi mal vista e interpretada como jogo sujo por parte da opinião pública. O debate também foi decisivo: um bom resultado para González serviria para consolidar a tentativa da candidata de ganhar no primeiro turno, mas seu discurso repetitivo e pouco claro, que parecia seguir um roteiro, não cumpriu as expectativas — diz. — Já Topic, com seu discurso duro e o enfoque na segurança, pode ter ganhado votos de indecisos e passa a brigar pelo segundo lugar.

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Os analistas acham prematuro avaliar se os votos de Villavicencio, um anti-correísta ferrenho, serão transferidos para seu substituto, o também jornalista Christian Zurita. De qualquer maneira, não acreditam que ele tenha chances reais. Pérez e Sonnenholzner, por sua vez, ainda têm chances de avançar, mas menos do que antes do assassinato, segundo as últimas sondagens.

— É um cenário bastante aberto. O mais provável que os votos de Villavicencio [entre 8 e 10% segundo as pesquisas anteriores ao crime] sejam divididos entre os candidatos que disputam o segundo lugar — afirma María Villarreal, professora do Programa de Pós-graduação em Ciência Política da UniRio, que destaca o uso aberto da morte trágica com fins eleitorais. — A tentativa de associar, de forma leviana, o ex-presidente ao crime afetou claramente Luisa González. O próprio Zurita, que é jornalista, publicou vídeos falsos associando o correísmo ao narcotráfico. A campanha foi muito suja de todos os lados.

Crimes políticos disparam

Os crimes políticos já eram uma realidade nas eleições locais de março, quando houve uma dezena de ataques a candidatos e políticos, incluindo o assassinato de um candidato na véspera das eleições, que venceu mesmo depois de ser morto no município costeiro de Puerto López. No mês passado, o prefeito de Manta, Agustín Intriago, foi assassinado a tiros durante um ato políticos. A cidade é conhecida por fazer parte das rotas de tráfico de migrantes ilegais e drogas.

Mas o assassinato de um candidato presidencial na capital do país adicionou um novo elemento à insegurança vivida pela sociedade equatoriana. Apesar de não haver números oficiais, especialistas confirmam um boom da indústria de segurança, com aumento expressivo nas vendas de coletes à prova de balas e carros blindados.

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Desde o crime, a maioria dos presidenciáveis usa coletes à prova de bala. No dia do debate oficial, Noboa, que até então descartava o traje de proteção, apareceu vestindo um deles. Na última quinta-feira, o candidato afirmou ter sofrido uma tentativa de atentado a tiros em Durán, mas a polícia e o ministro do Interior equatoriano, Juan Zapata, desmentiram o relato. Segundo as autoridades, houve de fato um tiroteio na região, mas o incidente não teria qualquer ligação com a presença de Noboa na cidade.

— Os cidadãos já tinham indícios do aumento da violência, por causa dos massacres nas prisões e o crescimento de crimes com artefatos explosivos nos dois últimos anos. Também houve assassinatos políticos recentes em Manta e Esmeraldas, mas o crime em Quito é uma mensagem clara dos criminosos de que eles podem atuar de forma impune em qualquer parte do território — afirma Carolina Andrade, especialista em serviços de Inteligência na secretaria de Segurança de Quito.

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Segundo Andrade, as causas ainda não esclarecidas por trás do assassinato de Villavicencio revelam ainda a incapacidade do Estado em evitar que o crime organizado de infiltre em diversas partes do poder político.

— O Estado equatoriano não tem capacidade de identificar financiamentos ilícitos de campanhas políticas ou de juízes, por exemplo. Não há um órgão como a Coaf [Conselho de Controle de Atividades Financeiras] no Brasil.

Em entrevista a jornalistas internacionais, na semana passada, o agora candidato Christian Zurita disse suspeitar que a motivação do assassinato de Villavicencio pode estar relacionada a algumas de suas propostas, focadas em atacar as rotas comerciais operadas pelo narcotráfico. A família de Villavicencio anunciou que vai denunciar o Estado equatoriano pelo crime de homicídio, "por omissão intencional por parte das autoridades que não cumpriram o seu papel".

No dia do crime, Villavicencio foi levado para um carro sem reforço de segurança, apesar de outro veículo blindado estar no local.

— Tenho quase certeza de que ele foi assassinado porque disse que iria militarizar os portos — disse Zurita.

'Rambo' cresce nas pesquisas

Todo o clima de violência dos últimos meses favoreceu ainda mais Topic, empresário conhecido como "Rambo equatoriano", de apenas 40 anos. Acionista de várias empresas no setor de segurança, ele é filho de Tomislav Topic, fundador da Telconet, que desde 1995 fornece serviço de internet para o país.

— Sua campanha publicitária, mostrando como pretende fazer melhorias tecnológicas no aparato policial, busca atrair uma geração mais jovem e pode ter impacto neste público, que procura um personagem a quem admirar e seguir — explica Macías.

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Já Yaku Pérez e Otto Sonnenholzner, antes com grandes chances de passar para a segunda fase do pleito, acabaram estagnados nas últimas pesquisas:

— O clima político atual e a onda de violência inédita no país favorecem respostas mais duras e Yaku não encarna esse tipo de visões — explica a professora da UniRio, que não acha que o líder indígena chegue ao segundo turno.

Apesar da insegurança, no entanto, analistas não acreditam que os eleitores deixem de ir votar por medo. Um crescimento do voto nulo poderia favorecer o correísmo no primeiro turno — para vencer, o candidato precisa ter ao menos 40% dos votos válidos, com 10 pontos percentuais de diferença sobre o segundo colocado.

— A população sente que é necessária uma mudança, que o governo de Guillermo Lasso foi incapaz de oferecer respostas, e sabem que essa eleição pode mudar esse cenário. Acredito que a importância dessas eleições fará com que os eleitores superem o medo de ir votar — acredita Villarreal, que não descarta que haja mais violência no dia do pleito. — Mais do que nunca será necessário que a comunidade internacional fique atenta ao que vai acontecer. Me parece que tanto o assassinato de Villavicencio quanto as outras mortes políticas, que gerou todo esse cenário de violência e clima de medo profundo, são uma clara mensagem que o crime organizado está dando de que não será possível governar sem um tipo de acordo.