Internacional
Mansões em área de conflito: Cisjordânia atrai empreendimentos de luxo em meio a confrontos
Jericó se tornou oásis de investimentos imobiliários apesar de ataques recentes espalharem terror em região historicamente poupada do confronto palestino-israelense
No ano passado, duas irmãs palestinas, Hilda e Diana, compraram uma casa de campo em um oásis no deserto. Cada um de seus em seu próprio banheiro, e a cozinha tem eletrodomésticos de última geração.
Atrás das portas de vidro deslizantes com controle remoto, há uma piscina privativa cheia cujo pH e nível de cloro da água são monitorados por computador. A casa de campo, que custou 1 milhão de shekels (R$ 1,3 milhão), está escondida entre outras 1.400 casas de férias semelhantes na área. Ela faz parte de um empreendimento de 303 hectares chamado Jericó Gate, que também deverá incluir um parque aquático, shopping centers, áreas públicas e instalações de turismo médico com banhos de lama com minerais.
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Hilda e Diana, que não são casadas e se aposentaram recentemente, veem o retiro de fim de semana como uma forma de hospedar seus outros irmãos e seus sobrinhos. Fica a uma curta distância de carro de sua casa em Jerusalém, atravessando o deserto da Judéia. As irmãs explicam que achavam que não teriam dinheiro para comprar uma propriedade como essa no local — inicialmente, pensaram em comprar na Grécia.
— Então ficamos sabendo disso — diz Hilda sobre a Jericó Gate. — Moramos a 25 minutos de carro e temos nossa própria piscina e jacuzzi. É como um resort.
Mas a sensação de luxo facilmente se dissipa do lado de fora da vila. Jericó Gate, que fica além da cidade de Jericó propriamente dita, fica perto de um campo de refugiados palestinos, de alguns assentamentos judeus e uma base do Exército israelense — um posto avançado da autoridade máxima na área.
Escondida perto da fronteira com a Jordânia, próxima ao Mar Morto, a antiga cidade foi poupada do pior lado da violência do conflito israelense-palestino. Mas a paz pode ser frágil. No início deste ano, após um ataque a tiros em um restaurante local frequentado por judeus, as forças israelenses entraram no campo de refugiados e mataram cinco combatentes palestinos. Após um tiroteio em julho em uma estrada, os soldados israelenses fecharam as saídas e entradas de Jericó enquanto caçavam o atirador.
Abdul Karim Sidr, o prefeito de Jericó, diz que seu trabalho é constantemente ameaçado pelo Exército.
O fechamento que se seguiu ao tiroteio no início do ano durou 12 dias. Mas as mudanças econômicas na região fazem com que ele lide não apenas com os problemas conhecidos da ocupação israelense, mas também com novos desafios decorrentes de um dos booms imobiliários mais improváveis do mundo. O Jericó Gate, o primeiro empreendimento de casas de férias nos territórios palestinos, faz parte de um renascimento local mais amplo.
Foram construídas 7 mil unidades habitacionais na cidade de 20 mil habitantes na última década —1.200 só no ano passado, quando 2,2 milhões de turistas estrangeiros visitaram Jericó, rivalizando com Belém como o maior destino turístico em áreas sob domínio da Autoridade Palestina. Os turistas estão começando a alugar as vilas para viagens de fim de semana ao Mar Morto.
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O prefeito explica como seu trabalho mudou.
— Com todas as novas piscinas piscinas, precisamos de novas leis de zoneamento e novas taxas de impostos para o uso da água — diz ele. — Jericó está crescendo. Apesar dos postos de controle e das guerras ocasionais, as pessoas podem ganhar dinheiro aqui.
As pessoas que estão impulsionando o crescimento de Jericó são palestinos de três grupos legalmente distintos: os que vivem na Cisjordânia, os que vivem em Jerusalém e os que vivem dentro dos limites originais de Israel em 1948, conhecidos como árabes israelenses. Como o último grupo é formado por cidadãos israelenses, eles são tecnicamente proibidos pelas autoridades militares, juntamente com os judeus israelenses, de visitar as cidades da Cisjordânia.
Os militares israelenses não aplicam essa política aos árabes, e não há sinais de que farão isso.
Em entrevistas recentes, Hulileh, um homem de 65 anos e idealizador do Jericó Gate, contou como sua vida traçou o arco doloroso da experiência de sua nação. Ele começou no exterior, como refugiado, viveu sob ocupação jordaniana e israelense, abraçou a política quando um acordo de paz parecia real, depois a abandonou em favor dos negócios.
Durante seus anos de ensino médio, na década de 1970, Hulileh participou de protestos anti-Israel; sua atividade política resultou em meia dúzia de passagens pela prisão, geralmente por cerca de dois meses cada. Apesar disso, ele se formou como o melhor aluno de sua turma e foi para Cairo estudar medicina, mas não conseguiu se formar e foi deportado depois de participar de manifestações contra o tratado de paz de Camp David de paz entre Israel e Egito, que não fazia concessões aos refugiados palestinos.
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Ele abandonou a medicina, estudou economia e acabou aceitando um cargo como funcionário do Ministério da Economia da Autoridade Palestina, mas a experiência o deixou desiludido com as perspectivas de a política resolver os problemas básicos enfrentados pelos palestinos. Ele deixou seu cargo em 1997.
Hulileh passou a trabalhar no setor privado e depois de um tempo assumiu o cargo de diretor da Palestine Development & Investment Co. (Padico Holding) em 2008. A Padico era uma holding privada formada em 1993 a pedido do presidente da Organização para a Libertação da Palestina, Yasser Arafat, quando ele vivia no exílio na Tunísia. Arafat reuniu 15 grandes empresários e disse a eles que em cinco anos haveria um Estado palestino independente. Ele disse que uma holding era necessária para um grande desenvolvimento da infraestrutura.
Alguns anos depois de assumir o controle da Padico, Hulileh iniciou o processo de criação do Jericó Gate por meio dela. O local tinha encantos óbvios. Sinagogas, igrejas e mesquitas há muito tempo coexistiram em Jericó. Sob o solo estão os restos de mais de 20 civilizações que datam de 10 mil a.C. A quase 300 metros abaixo do nível do mar, é a cidade mais baixa da Terra.
A diretoria da Padico estava cética. A organização geralmente investia em seguros, empresas de energia, hotéis de alto padrão e zonas industriais. O terreno em que Hulileh queria construir era propriedade coletiva de mais de duas dúzias de membros do clã Husseini, uma família de aristocratas palestinos espalhados pela Europa, América do Norte, Jerusalém e Jordânia. A organização da compra do terreno no valor de US$ 42 milhões (R$ 208 milhões) levou mais de um ano.
Fazer negócios na Cisjordânia como palestino tem sido uma tarefa difícil. Os regulamentos militares israelenses impõem barreiras que, combinadas com as práticas muitas vezes amadoras e corruptas da Autoridade Palestina, tornam tudo mais difícil.
Para criar o Jericó Gate, Hulileh mergulhou em meses de negociações com a Autoridade Palestina e mais um ano e meio com Israel. Os moradores de Jericó estavam preocupados com a chegada de estrangeiros ricos, que poderiam ter comportamentos que violam as normas locais. Como pelo menos alguns compradores seriam cristãos, havia também a preocupação com a tensão com as autoridades religiosas locais. Hulileh passou algum tempo acalmando essas sensibilidades e, ao mesmo tempo, doando dinheiro para organizações locais.
Hoje, o Jericó Gate é detido em 75% pela Arkaan Real Estate Co., uma empresa de capital aberto fundada em 2022 que Hulileh preside. O restante pertence a Padico. Eles venderam lotes para 62 incorporadoras e construtoras palestinas que estão construindo e operando as moradias. A Arkaan e a Padico são responsáveis pela infraestrutura geral e estão desenvolvendo os aspectos comerciais e de entretenimento do projeto, diz Hulileh.
— O ambiente cultural em Israel costuma ser tenso para os árabes — diz Sam Bahour, um empresário de Ramallah. — Portanto, comprar uma propriedade na Cisjordânia e estudar lá é uma espécie de apólice de seguro. E seus filhos podem ser aculturados em um ambiente árabe.
A expansão de Jericó é uma função de um boom econômico israelense que não beneficiou apenas os cidadãos judeus. Na época dos Acordos de Paz de Oslo, em 1993, o Produto Interno Bruto per capita palestino era de US$ 1.200 (R$ 5,9 mil). Agora é quase quatro vezes maior, ajustado pela inflação.
Israel impediu amplamente os palestinos de entrar nos territórios durante a segunda intifada, que durou de 2000 a 2005, e substituiu a mão de obra deles em sua economia por africanos, asiáticos e europeus do leste do continente. Mas essa tendência se inverteu, pois os legisladores israelenses perceberam que os trabalhadores nascidos no exterior estavam ficando permanentemente.
Atualmente, mais de 200 mil palestinos trabalham em Israel, levando para casa salários de 4 a 10 vezes o que ganhariam em seu país. O ministro da Economia palestino, Khaled Al Osaily, diz que em 2022 também foram formadas 2.524 novas empresas na Cisjordânia, com um valor total de capital de quase US$ 700 milhões (R$ 3,4 bilhões).
Uma coisa que atrai os israelenses árabes para os imóveis na Cisjordânia, dizem as autoridades, é a chance de evitar impostos israelenses e outras regulamentações. Após décadas de relações difíceis com seu governo, os israelenses árabes tendem a desconfiar das instituições, uma atitude que tornou comum fazer negócios em dinheiro vivo.
— Muitos árabes israelenses evitam pagar impostos e trazem esse dinheiro extra para cá para comprar propriedades — observa Abdallah Sabat, o atual CEO da Padico.
As autoridades fiscais israelenses tornaram-se hostis às compras em dinheiro, que elas associam à evasão fiscal e à lavagem de dinheiro. Agora é essencialmente ilegal pagar em dinheiro por qualquer coisa que custe mais do que alguns milhares de dólares em Israel. No entanto, oficiais militares têm a mesma visão permissiva sobre as transações imobiliárias na Cisjordânia como fazem com os israelenses árabes que atravessam para cidades nos territórios palestinos, apesar das grandes placas vermelhas nos postos de controle dizendo que isso é proibido. O motivo, os oficiais reconhecem discretamente, é que eles veem o movimento da riqueza árabe israelense para a Cisjordânia como uma força estabilizadora.
Os palestinos tendem a ser mais pobres e mais religiosos do que os israelenses árabes, e Israel está apostando que qualquer coisa que ajude a diminuir a lacuna econômica gradualmente afastará os locais do radicalismo.
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