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A presença de Claudinha
Na fila da loteria Fábio contemplava o belo pescoço da senhora em sua frente. De repente, a mulher virou o rosto, ele reconheceu Cláudia, ficou feliz ao rever um amor de sua juventude.
Uma alegria para ambos. Sentaram à mesa tomando sorvete e conversaram tantas histórias Há muitos anos não se viam.
– Estou solteiro. Dois casamentos não deram certo. Sou ainda o romântico incorrigível procurando alguém para lhe substituir. Nunca encontrei!
– Você é um danado! Sempre gentil!
– Não é gentileza, Claudinha. Depois de tantos anos, sou um setentão e você está beirando; uma mulher casada, respeito seu marido, mas posso dizer sem mágoa, você sempre foi a mulher de minha vida, nunca lhe esqueci, conservo esse amor bonito dentro de mim. Esse negócio de dizer que sou mulherengo é verdade, depois que você se casou, descambei para as raparigas, tornei-me um grande boêmio, tive muitas mulheres, minha vida desregrada foi fruto da dor-de-cotovelo por você me ter abandonado.
– De fato nosso amor foi bonito, todos comentavam nossa paixão, nosso namoro avançado. Naquela época namorados não transavam, mas você queria muito. Uma paixão louca! Era tarado por mim. Precisei me segurar para continuar virgem. Terminamos o namoro, mas, você teve culpa, queria todas as mulheres do mundo, namorou uma amiga minha.
– Lembra da boia no mar da praia da Avenida? Eu colocava a boia de pneu de caminhão dentro d’água, você estirava seu corpo fazendo os braços de remo, e segurava na borda, por baixo as coisas aconteciam, ninguém percebia. À noite eu subia às casas de raparigas de Jaraguá. Descarregava meu desejo incontido pensando em você.
– Menino sem-vergonha! Como a gente era feliz!
– Como está o Castello, o homem mais feliz do mundo, o homem que tem você nos braços há mais de 30 anos?
– Fábio, vou ser sincera. Desculpe o desabafo, afinal você é um amigo confiável. Namorei com Castello, não era aquela coisa louca de nosso namoro. Casamos, construímos nossa família. São dois filhos e um neto. Ano passado tive duas tristezas na vida. Descobri que meu marido tem uma amante, menina nova, sustentada por ele há mais de três anos. Encheu-me de mágoa. E o pior, descobri um câncer na minha mama esquerda. Já me operei, tenho como tratar do câncer, os médicos dizem que posso controlar a doença e viver muitos anos. Mas o Castello não dá mais para controlar, ele está apaixonado por essa sirigaita. Eu vivo só, ninguém sabe o que se passa comigo, vivo indignada dentro de minha dignidade.
Fábio apertou sua mão, olhou nos seus olhos.
– Minha querida Cláudia, não aguente isso, deixe a merda desse marido. Eu ainda lhe amo, sempre lhe amarei, estou à sua espera o dia que você quiser, pelo resto da vida. Amanhã pela tarde estarei viajando, vou passar quase um mês no navio COSTA MARU, sai do cais do porto direto para Recife e Europa, atravessando o Oceano Atlântico. Quando eu retornar quero conversar com você. Está certo? Você promete que vai me ver? Me dê o número de seu celular.
Despediram-se com beijo no rosto.
À noite Castello chegou tarde e bêbado. Na hora de dormir, Cláudia alisou o corpo do marido, beijou-lhe o pescoço, foi se achegando pedindo carinho, um pouco de atenção. Nesse momento ele falou aborrecido, grosseiro.
– Não quero, não quero pegar sua doença. Você está com câncer. Porra!
Deu-lhe um empurrão, virou-se para o lado e adormeceu.
Humilhada e ofendida, chorando baixinho, Cláudia correu ao banheiro, sentou-se na privada e caiu em prantos, chorou muito. Certo momento se recuperou, respirou fundo, levantou-se, olhou-se no espelho, só de calcinha, levantou os braços, rodou, achou-se uma mulher bonita, conservada, atraente. Veio-lhe um sentimento forte de amor próprio, jurou para nunca mais chorar por Castello e que curaria o câncer.
Retornou à cama, custou a adormecer. Fez um retrospecto de sua vida, ninguém mais dependia dela, vivia praticamente só, os filhos independentes. Pensou no que restava desse futuro hipócrita e humilhante junto a Castello.
Eram oito horas da manhã quando ela levantou-se. Tomou café, trocou de roupa, foi ao cabeleireiro, à manicure. No shopping comprou roupas, foi ao banco, almoçou. Chegou em casa por volta das duas horas, arrumou a mala, escreveu uma carta simples para o marido e filhos. Tomou um táxi.
O navio Costa Maru repleto de passageiros desencostava do cais. Na balaustrada do convés Fábio contemplava o mar, o casario da Avenida da Paz se afastando, diminuindo de tamanho. Ele estava embevecido com a cor do mar de sua terra, quando, de repente, sentiu uma mão por cima da sua. Ao olhar de lado teve a mais bela visão de sua vida: a presença de Claudinha.
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