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A conformação do\a outro\a
transformar-se ou ser transformado\a noutra pessoa. Admito a possibilidade; mitigo a admissão: é possível, não é provável. Personalidades são estáveis, ainda que se acrescentem e se transformem, e informam conteúdos e formas de estar no mundo, incluindo relacionamento pessoal.
As pessoas não “caem” no seu jeito de viver a vida. Vão sendo situadas, situando-se, lutando um tanto, acovardando-se outro, compondo-se com o derredor. Estabelecem um território mental, que, com dores e sabores, torna-se campo conhecido. Pouca gente ousaria e conseguiria caminhar fora do seu mapa mental, a cerquinha que limita a própria cabeça.
Para a racionalidade psicanalítica, essa experiência é bastante improvável. Não tenho um ego, sou ego; o ego tem vida própria, dado que nossa psique abriga uma dimensão inconsciente operante. Não controlamos o inconsciente, que incide sobre nossa vontade. Seus mecanismos de defesa são atentos anos manter estáveis, pois mudança significa ansiedade.
Mudarmos é nos levar ao desconhecido, desmancharia o arranjo que nos apazigua. Mudar implica risco, então, acende o sistema de contenção de aventuras. A vontade impetuosa fenece sem gesto, permanecemos nas nossas adequações: casamento vencido, emprego desagradável... Constrangidos, a contragosto, arranjamos uma desculpa, ficamos ali.
A decorrência é um humor rancoroso; talvez não nos aturem. De comum inconscientemente, das três, uma: aniquilamo-nos, embotando nosso ser; hostilizamos vingativamente a tudo e a todo\as que nos cerceiam; alienamo-nos das circunstâncias: preservamo-nos, mas não ligamos importância ao mundo do qual não gostamos e que não gosta de nós.
Esses dizeres me alcançam um assunto: convivências. Nas relações amorosas, sobretudo, há sempre alguém querendo que alguém mude: seja, ou deixe de ser; faça, ou deixe de fazer. Não confio que seja provável. O já afirmado: dificilmente alguém estruturado psiquicamente mudará, ainda que o queira, menos ainda só porque alguém o quer.
Mesmo que se queira – sobre si ou sobre o\a outro\a –, não é tão simples impor-se ou impor mudança. Ademais, talvez o objeto da investida mudancista se goste como é e deseje ficar como está, ou não consiga, embora envide esforços, ser de outra maneira. Como anotado, não temos exatamente controle sobre ser ou deixar de ser o que somos.
Intriga-me a ingenuidade, ou a petulância, ou ambas as coisas, seja de quem cobra, seja de quem promete mutação. As partes se conhecem, conferem-se, recebem-se. Aceitam-se, afinal (ou aceitam suas expectativas). Consolidada a convivência, iniciam-se ingerências nas peculiaridades do\a outro\a que, supostamente, apresentou-se tal e qual era e é.
Supostamente, pois não nos sabemos, não sabemos nosso par, nosso par não se sabe. A vida é esse conviver de incertezas, embora as partes se hajam identificado na intimidade e se aceitado mutuamente, levadas em conta a singularidade de suas feições. Ora, tais alguéns, se desvencilhado\as do seu modo de ser, não serão mais quem são ou foram.
Se fosse realizável editar pessoas, ao fim da edição encontrar-se-ia um\aestranho\a. Alguém passaria a conviver com alguém que não seria o alguém original, sem nenhuma garantia, ademais, de que esse\a alguém reformulado\ateria as qualidades propostas. Ninguém se sabe o suficiente para assegurar-sede que gostará do ser outro que produziu.
É sabido: não amamos a outra pessoa; amamos que a outra pessoa nos ame. Nosso objeto amoroso é o que, desejamos, nos amará. Haveríamos que saber disso, conceder a isso, lidar com isso. Todavia, egos ávidos, tendo-se em tal e tamanha conta, têm-se como referência. Não percebem que a outra pessoa, também ela, mais do que amar, deseja ser amada.
Tais egos não consideram o desejo alheio; sôfregos, desapreciam diferenças, recusam o prazer só realizável na afeição por desiguais. Desejar a própria imagem e semelhança é um infecundo desejar cabotino. Esses tipos, por estéreis, restam não indo ao encontro, mas de encontro a si, tendo o desgosto, no esbarrarem consigo, de não se saberem amar.
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