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Custo de transação na vida e na morte
É uma expressão da Economia, mas que, na prática, define muitos aspectos da vida cotidiana: custo de transação é o dispêndio efetivado para realizar um negócio além do custo do negócio em si. Exemplo: saio para apanhar meus óculos novos. Se não encontro estacionamento, meus óculos já começam a encarecer; se não estão prontos, a viagem perdida é custo acrescido; mais um “imprevisto” e o meu negócio fica caríssimo, ainda que o desembolso efetivo junto à ótica se mantenha igual.
Hábitos habituam. Nossos maus hábitos nos habituaram mal. Anuímos acriticamente com modos desaforados que, ao cabo, ofendem moralmente e prejudicam materialmente a nós mesmo\as. Confira-se: somando-se a ocasião em si que desperdicei e as oportunidades perdidas enquanto o tempo corria e o razoável se extrapolará. Então, com o razoável extrapolado, feitas as contas que não se fazem, estressei-me e gastei o que não estava previsto e não era necessário gastar.
Toda aquisição de mercadoria supõe o custo de sua produção mais o lucro do fabricante, o do intermediário e o do comerciante. É o preço do negócio. O que se acrescenta em gasto para realizá-lo é custo de transação. Nossa vida entra nisso quando ao passeio se soma o pneu que se estragará nos buracos da estrada, perco tempo em espera nos serviços públicos, o médico atrasa além do moderado, alguém chega bêbado ao trabalho, nos passam gripe, e o que mais os hábitos possam listar.
Os países nórdicos têm o menor custo de transação. O transporte público funciona, as coisas acontecem no prazo, a confiabilidade social é alta, os calotes privados são poucos. Nossos custos são altos: falta segurança, tudo atrasa, sobra arrogância. Há nepotismo, burocracia corrupta, impunidade, além dos et cetera que cada qual pode acrescentar a esta triste relação. Nossos negócios embutem gastos dispensáveis, que pagamos conformados, em clima de atípica normalidade.
Conta-me o taxista, salientando que nunca imaginara passar pelo que passou. Acudiu – sentiu-se na obrigação – aos apelos da moça que se contorcia de dor. Ligeiro, tocou-se a buscar socorro. No trânsito, na pressa, nem notou que a passageira parara de gemer. Na emergência do hospital, no carro mesmo, apalparam a garota, cortaram-lhe a blusa, expuseram-lhe os seios, declaram-na morta. Indignou-se com a exposição desnecessária, mas sobre isso não quis pedir explicação.
Surpreso, lamentou a circunstância. E agora? Bem, da parte dele fizera o possível, não podia ajudar em mais nada. Queria deixar a moça, rodara toda anoite, precisava dormir. Debalde. Então, o princípio da via crucis: recusaram o corpo. Crua explicação: não era mais uma moça, era um cadáver; devia ir à Delegacia mais próxima. Foi. Longa espera. Não era ali. O caso era da região onde a apanhara, a competência era de lá. Indignado, porém resignado, buscou o local.
Pelo caminho, os seios da moça. Descobriram-nos sem nenhum pudor. Se fosse sua filha, não a queria assim. Mas parar o carro e arrumar-lhe a roupa, e de uma morta, poderia dar confusão. Tocou como estava. Chegou, explicou, esperou. Atendido, enfim. Era ali, mas havia que registrar a ocorrência. Pouca demora, registrou. Mais um pouco e já viria o IML. Aguardou. Nada. Reclamou: deixava a moça, o IML viria buscá-la; tinha de dormir. Não podia. Alegaram que delegacia não é necrotério.
Ou conformado, ou por muito cansaço, foi para o carro. Sentou-se ao lado da moça. Era o jeito. Mirou-lhe o rosto pálido. Enterneceu-se. Acariciou-lhe o cabelo. Sentiu tristeza com o abandono em que ela se encontrava. Seria filha de quem? Apeou, foi à porta dela, abria-a, reclinou-lhe o espaldar do banco. Ajeitou-lhe melhor o corpo. Havia de lhe dar algum conforto. Contornou o carro. Parou. Pensou um pouco. Que susto! Tomou a situação em conta: e agora, a quem se iria avisar!?
Depois via, precisava cochilar. Acordou, pôs-se a refletir: havia uma bolsa; na bolsa, o telefone de onde a moça iria trabalhar. Lá, sabiam mais. Mas não aviriam buscar. Na Delegacia, queriam que esperasse; não esperava. Deixava o carro, se fosse o caso. Bastava de esperar. Sopraram uma sugestão: levasse a moça ao IML, ficava a quatro quadras. Merda!, podiam já ter dito. Levou. Receberiam, mas tinha que aguardar. Ia trocar o plantão. E daí? Daí que misturar plantão podia complicar.
Impacientou-se. Sopesou: se complicasse, complicava mais. Sorriu, sentou-se com a moça, com ela esperou. Uma corrida de vinte horas. Chamaram-no. Tomou o corpo e deitou-o em uma maca. Já saía, mas voltou-se. Pediu clipes e fechou-lhe a blusa. Arrematou a história: Veja só este País, tudo custa demais, até cumprir obrigação ou fazer favor. E o desrespeito. Cortaram a roupa da moça; até hoje não entendi a razão. É o custo Brasil de transação da vida. É o custo da própria morte.
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