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Uma história de amor
Não sou de mentir. Tive uma infância feliz e uma vida atribulada. Com 16 anos fiz concurso para Escola de Cadetes do Exército em Fortaleza. Aos 21 anos era tenente na Bahia quando pedi transferência para o Recife onde havia a Escola Politécnica. Passei no vestibular de engenharia, quando em abril rebentou o movimento, o golpe militar, eu servia na 2ª Cia de Guardas, tropa de elite, onde ficaram trancafiados os principais presos políticos do Nordeste, em um ano de convivência tornei-me amigo daquelas autoridades. Me mandaram para fronteira, 9ª Companhia de Fronteiras, Roraima. Deixei o Exército em 1972, fui trabalhar na engenharia construindo prédios e lutando na iniciativa privada. Com 61 anos em 2001, resolvi escrever o livro de memória, Confissões de um Capitão. Depois da entrevista com o Jô Soares, o livro foi sucesso em todo Brasil e traduzido para o espanhol. Plínio Lins editor do O Jornal me descobriu contador de histórias, prontamente convidou-me para escrever uma coluna semanal “Histórias do Velho Capita”, onde conto um conto, uma historinha toda semana desde 2002. Escrevi esse preâmbulo para esclarecer que não sou protagonista das histórias que escrevo, muitos leitores pensam que os casos aconteceram comigo. Impossível. Confesso que vivo fico catando histórias, às vezes me oferecem na rua. Como o e-mail que recebi ontem de um leitor, o qual transcrevo como a historinha dessa semana. Obrigado pela atenção.
Sr. Carlito, sou leitor das Histórias do Velho Capita toda semana, não sei como o senhor inventa tantas histórias. Li seus romances. Sou seu fã. Para lhe ajudar segue a história de meu avô. Talvez dê para aproveitá-la em sua coluna.
Meu avô era bom comerciante, vendia remédio em sua casa, sem ter farmácia, era muito querido na pequena cidade do interior. Nasceram dois filhos de minha avó. O segundo filho, meu pai, foi de um parto complicado, precisou contratar uma enfermeira para cuidar do recém-nascido. Maria, a enfermeira, era dedicada e se apegou aos dois meninos. Com um ano o menino, meu pai, recuperou a saúde, a enfermeira foi ficando, gostou da família e também ajudava em outros trabalhos, varria, cozinhava. Morava em um quarto nos fundos da casa, ganhava um pequeno salário. Maria, perto dos 30 anos, gostava de passear pela cidade, onde conheceu muita gente e recebeu propostas de muitos homens, rejeitou todas. Ninguém sabia, ela tinha uma paixão secreta por meu avô, escondia de todas amigas, até dela mesma. Meu avô um homem impecável, vivia para minha avó, o amor dos dois era bonito e comentado em toda região, passeavam juntos de mãos dadas nas praças e ruas. Quando viajava para comprar remédios ele levava minha avó. Viviam sempre juntos num amor eterno. Até que desconfiou da paixão obscura de Maria. A primeira vontade foi dispensá-la, porém, as crianças eram muito apegadas à Maria. Ela foi ficando. Meu avô também se afeiçoou, resistindo aos impulsos. Até que um dia o Diabo venceu, não resistiu, deitou na cama com Maria, uma ardente mulher. O tempo foi passando, o povo foi desconfiando daquela mulher bonita continuar solteira. Mesmo sem provas o povo tinha certeza que meu avô dava conta das duas mulheres, discretamente. Meu avô viveu pelo resto da vida praticamente com duas esposas. Minha avó fazia não saber, amava meu avô tanto que só desejava sua felicidade. No dia que completou 86 anos meu avô teve uma dor forte do coração e morreu. Foi um reboliço e muito choro, todos amavam aquele sábio velho. Minha avó, amava tanto o marido que pedia a Deus que a levasse junto. O corpo de vovô foi velado na sala, as janelas da casa com cortinas pretas indicavam que havia um velório. Meu avô no caixão parecia mais sério, levaram minha avó medicada com calmante para descansar em sua cama. Maria olhava seu amor com uma dor imensa, lágrimas caíam de seu rosto triste, ela não tinha parentes. Na hora de sair o féretro para o cemitério, quando foram acordar minha avó, a surpresa, com um sorriso nos lábios ela estava morta. Retardaram o enterro, prepararam minha avó em outro caixão. Os dois seguiram juntos, foram enterrados na mesma cova. Foi uma comoção na cidade. Meu pai e meu tio resolveram que Maria continuaria morando na casa. Meu tio mora em Maceió. Meu pai continuou na casa, abriu uma farmácia, casou-se com minha mãe, tiveram dois filhos. Eu nasci e me criei naquela casa. Ainda moro com os meus pais e Maria beirando os 100 anos, continua ocupando o mesmo quarto, não reconhece ninguém. Essa é a história. Gostou? Um abraço do Alex.
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