Internacional
Em Gaza, diretor de orfanato protege crianças da guerra enquanto teme escassez de água
Ao GLOBO, Hazem al-Eneri conta que tenta abafar sons de bombardeios com brincadeiras e programas de televisão para evitar exposição dos pequenos às atrocidades vividas na região
Poucos metros separam o orfanato Mabarat al-Rahma, no norte da Cidade de Gaza, da região de al-Karama, acessada pelas forças israelenses na terça-feira na incursão terrestre ao enclave palestino. A casa abriga 40 pessoas, entre elas 25 crianças com deficiência protegidas a todo custo por Hazem al-Eneri, de 39 anos. O palestino já conhece muito bem os sons de bombardeios em Gaza, mas busca de todas as formasblindar os pequenos de qualquer contato com a guerra, enquanto enfrenta uma batalha interna: a falta d'água.
Criado em 1993, o abrigo recebe crianças de até 12 anos com deficiências e mulheres que, mesmo depois de completarem a maior idade, escolhem ficar no orfanato porque não conseguiram casar e constituir família. Atualmente, são 25 pequenos com deficiências motoras e mentais, entre elas, cadeirantes, e outras 15 mulheres, que ajudam no cuidado dos menores que precisam de assistência médica e fisioterapêutica. No entanto, Hazem tenta deixar o medo e a violência da guerra, que assolam a região desde 7 de outubro, do lado de fora de orfanato para preservar as crianças.
— A situação é muito difícil. Eles estão chorando o tempo todo, assustados com as bombas, mas tentamos brincar com eles o tempo todo, aumentar o volume da televisão para tentar abafar o barulho. Tentamos entreter as crianças para fazer com que não tenham vontade de sair — conta Hazem ao GLOBO, entre os sons de bombardeios que podiam ser ouvidos na região.
Como forma de blindar as crianças das atrocidades da guerra, Hazem e seu colega, Hussem Ahmed, contam a elas que os barulhos fazem parte de um grande festival de casamentos que ocorre na cidade. Na cultura árabe, é comum que tiros sejam disparados durante celebrações como matrimônios, uma tradição muito comum em Gaza.
As histórias sobre o que acontece fora do abrigo, porém, não aplaca as necessidades vividas dentro da casa. Apesar de ainda ter estoque de comida e remédios, Hazem conta que, devido à falta de água em toda a Faixa de Gaza, eles já operam em racionamento e só têm água potável para mais uma semana.
Mesmo com suprimentos suficientes para manter a operação atualmente, ele explica que as barreiras ao financiamento de ações humanitárias em Gaza — impostas por Israel desde os ataques do Hamas no início de outubro, que deixaram mais de 1,4 mil israelenses mortos — podem comprometer o funcionamento das atividades no médio prazo. A organização recebe doações de pessoas físicas e de associações sem fins lucrativos de países como Inglaterra, Turquia, Canadá e do mundo árabe.
— Caíram as doações desde o começo da guerra porque Israel não deixou que as associações transferissem dinheiro para Gaza alegando que seria para financiar o terrorismo. Nós só trabalhamos para ajudar crianças. Quando querem enviar recursos para cá, a resposta que escutam é que deveriam mandar para a Ucrânia, e não para Gaza — conta Hazem.
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