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Guerra completa 4 semanas: pressão internacional aumenta, enquanto crescem temores de que conflito se espalhe

Operação terrestre entra numa fase extremamente perigosa, em paisagem urbana repleta de túneis e densamente povoada

Agência O Globo - 03/11/2023
Guerra completa 4 semanas: pressão internacional aumenta, enquanto crescem temores de que conflito se espalhe

Quase uma semana depois de as tropas israelenses terem invadido Gaza, autoridades militares afirmam ter tido ganhos significativos contra os líderes do Hamas. Mas a operação terrestre, que agora circunda a Cidade de Gaza, está entrando numa fase extremamente perigosa, com as tropas avançando numa paisagem urbana repleta de túneis e densamente povoada, onde vivem muitos palestinos.

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Os ataques aéreos realizados esta semana num bairro densamente povoado no norte de Gaza, que mataram dezenas de civis, alimentaram temores de que a guerra se possa alastrar para uma segunda frente: a muito maior Cisjordânia ocupada, onde os ânimos estão cada vez mais acirrados.

As imagens angustiantes dos mortos e feridos também intensificam a pressão internacional sobre Israel. Nesta sexta-feira, o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, pressionou o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, a ordenar “pausas humanitárias” para permitir que mais ajuda chegue aos civis e que mais pessoas deixem a Faixa de Gaza.

No front, um alto oficial militar israelense disse estar confiante de que as tropas tomariam o controle de Gaza, e Israel afirma ter matado centenas de militantes do Hamas. Mas, com o aumento da pressão pública global, não está claro se os militares terão tempo suficiente para erradicar todas as forças do Hamas — um esforço que os líderes israelenses já adiantaram que poderia levar meses.

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Publicamente, os comandantes reivindicam ganhos constantes, mas dão poucos detalhes sobre a resposta militar aos ataques do Hamas de 7 de Outubro, que deixaram 1.400 soldados e civis mortos, incluindo mulheres, crianças e idosos, e que incluíram tortura e abusos.

“Nossas forças estão no centro de uma operação terrestre no norte da Faixa de Gaza”, disse o tenente-general Herzi Halevi, chefe do Estado-Maior militar israelense, em comunicado na quinta-feira. “Estamos cercando a cidade de Gaza”.

Morte de líderes com o Hamas

Por terra, soldados israelenses avançam continuamente para os bairros densamente povoados da Cidade de Gaza, entrando em confronto com os combatentes do Hamas que emergem de túneis ou de outros esconderijos, uma tática usada durante muito tempo em guerras anteriores — e que era eficaz para frear o avanço de Israel.

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Mas desta vez, segundo um alto oficial militar, a dimensão dos ataques de 7 de Outubro tornou os comandantes israelenses menos avessos a riscos. Os militares admitiram a morte de 28 de seus soldados até agora.

Alguns comandos do Hamas entraram em colapso, segundo duas autoridades, mas muitos ainda permanecem escondidos no labirinto de túneis, assim como os principais líderes sêniores do grupo. Autoridades israelenses também disseram acreditar que a liderança do Hamas estava sem informações precisas desde o início da operação terrestre, quando os serviços de internet, celular e telefone fixo para Gaza foram cortados.

Ainda assim, a operação terrestre ainda não atingiu um dos seus principais objetivos: exercer pressão suficiente sobre o Hamas para forçá-lo a negociar a libertação de mais de 240 pessoas sequestradas durante os ataques, ou para permitir que Israel as resgate numa operação militar especial.

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Pelo contrário: nos últimos dias, os líderes políticos do Hamas vêm adotando um tom desafiador. Na quinta-feira, o porta-voz do grupo, Ghazi Hamad, fez uma série de ameaças contra Israel durante uma entrevista na TV e prometeu novos ataques "até que a nação fosse aniquilada". Na quinta-feira, o Hamas divulgou imagens que, segundo o grupo terrorista, mostravam seus combatentes disparando um lançador de granadas contra um tanque israelense. O Hamas também exige entregas de combustível como condição para libertar os reféns.

O grupo confirmou as mortes de alguns dos seus comandantes, de nível médio e superior, em ataques recentes, mas negou alegações de que alguns dos oficiais sêniores tenham sido mortos.

Desastre humanitário

Após três dias consecutivos de ataques aéreos israelenses no campo de refugiados de Jabaliya, no norte de Gaza, as equipes de resgate procuravam sobreviventes nos escombros dos edifícios desabados. Os ataques aéreos mataram e feriram mais de mil pessoas, incluindo muitas crianças, de acordo com o Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas. E à medida que aumenta o número de mortos nestes e noutros ataques, as exigências de um cessar-fogo vêm crescendo em todo o mundo.

Blinken, que se encontrou com Netanyahu em Tel Aviv nesta sexta-feira, repetiu o apelo do presidente americano, Joe Biden, que pediu pausas na operação terrestre. Blinken não deu detalhes sobre o momento ou a duração das pausas propostas, e indicou que o tema ainda estava sendo discutido com autoridades israelenses.

Enquanto as discussões prosseguem, as forças israelenses atravessaram a Faixa de Gaza de leste a oeste e chegaram ao Mar Mediterrâneo na terça-feira. Israel controla agora o centro de Gaza, uma área menos povoada com campos de refugiados dispersos. As tropas cortaram as principais estradas norte-sul para a Cidade de Gaza, privando o Hamas de equipamento, veículos e outros reforços. Mas muitos dos túneis permanecem intactos.

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O corte do serviço telefônico e de Internet de Gaza na fase inicial da operação terrestre prejudicou a capacidade dos comandantes do Hamas de recolher informações no terreno ou de se comunicar com seus líderes políticos no Líbano. Também ajudou a evitar que as imagens do ataque fosse transmitida ao mundo, o que poderia ter aumentado a pressão sobre Israel para uma pausa humanitária.

No entanto, o corte de informações aprofundou a crise para os civis em Gaza. O número de mortos em ataques aéreos passou de 9 mil, segundo o Ministério da Saúde de Gaza. Os hospitais da região estão ficando sem combustível e suprimentos básicos, e alguns médicos dizem que tiveram que realizar cirurgias sem anestesia.

O desastre humanitário também está aumentando as tensões na Cisjordânia, que já foi assolada por uma onda de ataques violentos perpetrados por colonos judeus fortemente armados contra os palestinos e por ataques de militantes do Hamas contra os judeus.

Nova frente na Cisjordânia

Oficiais militares e de Inteligência israelenses dizem estar preocupados com o alastramento da guerra, o que poderia exigir uma resposta por parte de militares já fortemente destacados na operação de Gaza e na proteção contra um potencial ataque no norte de Israel pelo Hezbollah, milícia xiita baseada no Líbano.

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Nos últimos seis meses, forças israelenses foram transferidas para reforçar a fronteira com a Cisjordânia. Mas depois do ataque do Hamas, os soldados foram substituídos por unidades de reserva menores e menos experientes, uma vez que Israel precisava das suas forças da linha da frente em Gaza.

Segundo analistas militares, o Exército israelense tem soldados suficientes para travar a ofensiva terrestre enquanto realiza operações regulares na Cisjordânia. Mas ficaria sobrecarregado se levasse a cabo uma ofensiva paralela, disse Yagil Levy, especialista em Forças Armadas israelenses na Universidade Aberta de Israel.

— O Exército deveria ter acalmado a Cisjordânia — afirmou Levy. — Mas eles perderam muito do controle lá.

Desde 7 de outubro, a violência dos colonos na Cisjordânia deslocou mais de 800 palestinos. As Nações Unidas disseram que 120 pessoas foram mortas em confrontos com colonos ou com o Exército israelense.

Os críticos dizem que Israel aumentou as tensões na Cisjordânia ao suspender a transferência de receitas fiscais e aduaneiras para a Autoridade Nacional Palestina (ANP), que controla o território, após os ataques do Hamas. O ministro das Finanças de Israel, Bezalel Smotrich, um membro de extrema direita do governo de Netanyahu, recusou-se a realizar os pagamentos, que Israel cobra em nome da autoridade, argumentando que o dinheiro iria para apoiar o Hamas.

A Inteligência militar de Israel e o Shin Bet, agência de segurança interna, acreditam que a ANP é valiosa na luta contra o terrorismo do Hamas e que os fundos eram necessários para pagar os trabalhadores. Sem a cooperação no contraterrorismo, segundo algumas fontes militares, a Cisjordânia poderá enfrentar uma terceira intifada.

A decisão de Smotrich abriu um racha no gabinete de Netanyahu. O ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, exigiu que o congelamento fosse levantado, afirmando em comunicado que “os fundos devem ser transferidos imediatamente para que possam ser utilizados pelo mecanismo operacional da Autoridade Nacional Palestina e por setores que trabalham na prevenção do terrorismo.”

Analistas afirmam que a ANP e seu presidente, Mahmoud Abbas, ficaram desacreditados pela discordância com o Hamas, o que segundo os críticos foi explorado por Netanyahu. Como resultado, a ANP tem agora influência limitada sobre as milícias armadas da Cisjordânia e que foram galvanizadas pelos combates em Gaza.

— Mesmo que Abbas queira estabilizar a situação, não tenho a certeza se as milícias concordariam — disse Levy. — Eles serão tentados a fazer algo para mostrar a sua simpatia pelos seus irmãos em Gaza.