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A vida é um malabarismo
Dizem que até as pedras se encontram. A própria vida se encarrega de mostrar o quanto esse pensamento possui sua razão de ser, bem representando o fato de que as pessoas, independente de sua classe social ou do poder que momentaneamente ostentem, quando menos se espera, necessitam umas das outras, quer seja para prosseguir em uma caminhada ou, até mesmo, para acordar e retornar ao mundo dos vivos.
Sendo adepto da corrida matinal na orla de Maceió, não recordava quando pisei os calçadões da Pajuçara e Jatiúca em outro horário. Dias atrás, porém, optei pelo pôr do sol e, já ao término de meu périplo, chamou-me a atenção um jovem, franzino, aparentando contar pouco mais de dez anos de vida. Era um, dos muitos malabaristas de rua que inundam as artérias de Maceió. Mas aquele, a mim, parecia especial. Cabelos loiros bem penteados, roupa de ginasta, trazendo, à altura dos ombros, estrelas que pareciam cintilar a cada novo movimento.
Ainda ofegante, após a corrida, resolvi beber água de coco. E, a cada nova fase vermelha do semáforo, o meninote corria para o meio da pista e fazia seus malabares voarem com desenvoltura. Eram pratos, tochas acesas, garrafas de boliche, que não paravam, no curto espaço de tempo de que dispunha para mostrar sua perícia. Logo após, percorria os corredores formados pelos veículos que ali se encontravam e pedia uma moeda, pela exibição e, sempre sorrindo, recebia um não aqui, um trocado ali antes de se retirar para o canteiro central.
Resolvi lhe oferecer uma garrafa de água mineral, atitude que o agradou muito. E ele me contou sua vida. Na verdade, havia completado quinze anos, sendo o mais velho de três irmãos. Não conhecera o pai e a mãe fora atriz de circo mambembe, até ficar doente e falecer quatro anos atrás. Ele continuou morando, onde já vivia com sua genitora, no Beco do Biscuí, na Grota do Canaã. Passou muita fome com seus irmãozinhos, mas resolveu reagir. Começou a praticar o que sua mãezinha lhe havia ensinado e, hoje, se tornara um artista. Ganha, em média, sessenta reais por três horas de trabalho. Sempre volta para casa, levando comida para todos. Quando o ganho é pouco, compra meia galinha e come o couro com arroz deixando a carne para os menores.
E, o que é mais importante, frequenta regularmente a escola do bairro. Sabe ler, escrever e chegou até a me dizer: “the book is on the table doutor. Um dia eu vou ser igual ao senhor”.
Fui embora, mas não esqueci Davi. A vida me ensinou a perceber quando as pessoas mentem e, tenho quase certeza, ele me falou a verdade. Resta a esperança de que continue trilhando o difícil caminho da luta pela sobrevivência para, no futuro, ser considerado um ser humano realizado, e, até certo ponto bem mais feliz que seus semelhantes, porque soube, como ninguém, construir seu próprio império.
Cada vez mais me convenço que a vida é como um malabarismo: você a controla, você a equilibra e somente você pode deixá-la cair.
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