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O insondável abismo
Todos conhecemos o velho, e sempre atual, “Mito da Caverna”, presente nas páginas do livro VII da “República” de Platão, que nos conta o causo de uma certa “galera galerosa”, que estava agrilhoada em um buraco bem fundo, com as ventas voltadas para o fundo desse buraco profundo, sendo assombrados pelas sombras projetadas na parede por meio de um mirrado feixe de luz.
Porém, todavia e, entretanto, um dia, um dos abençoados da caverna, num golpe de sorte, ou por um milagre, conseguiu desfazer-se dos grilhões e, zaz, conseguiu dar o fora da dita-cuja e aí, foi um Deus que nos acuda.
Como havíamos dito, todos conhecemos essa alegoria. Alegoria essa que nos apresenta uma imagem mais do que perfeita da jornada que nos leva a libertação da alma humana do abismo frio de ignorância que, muitas e muitas vezes, nos aprisiona.
Cárcere esse que nos impede de ter os vitrais da nossa alma inundados pela luz do conhecimento da Verdade, que se encontra além das gélidas paredes cavernosas de nossa presunçosa estupidez.
Nunca é demais lembrarmos que conhecer é uma jornada. Uma jornada onde, entre medos e relutâncias, vamos gradualmente renunciando a tudo aquilo que nos faz sentir acomodados, que barra o início dessa perigosa, e fabulosa, aventura.
Repito: uma perigosa e fabulosa aventura, porque quando abrimos o nosso peito para as possibilidades até então impensadas por nós, é mais do que natural que nos sintamos receosos, com medo de descobrirmos que até a véspera estávamos redondamente enganados sobre um montão de coisas que tínhamos como certas e inquestionáveis.
E assim agimos porque nos esquecemos que conhecer é, antes de qualquer coisa, um ato onde procuramos nos manter abertos para aprender algo que os demais desconhecem.
Desconhecem, ignoram que desconhecem e tem uma raiva danada de qualquer um que ouse tocar no assunto.
Aliás, seguindo por esse caminho, podemos dizer que Bilbo Bolseiro, de “O Hobbit”, vivenciou com seus amigos anões, uma aventura análoga à que nos é apresentada por Platão.
O pequeno Hobbit, confortável em sua vida “pequeno-burguesa”, vivendo num buraco (estiloso pra caramba), bem acomodado em sua rotina pra lá de segura. Aí, de repente, ele se vê envolvido em uma jornada que transformou sua vida e transubstanciou a sua alma de fio a pavio.
Ele nunca mais foi o mesmo.
Pois é, feliz ou infelizmente, nós não somos o senhor Bilbo. E mesmo que Gandalf nos apresentasse, detalhadamente, o porquê nós deveríamos nos embrenhar numa pedregosa jornada de autoconhecimento, bem provavelmente acabaríamos dando de ombros e continuaríamos afetuosamente abraçadinhos aos grilhões da nossa tão amada estultice a respeito da vida, do mundo e, principalmente, a respeito de nós mesmos.
Enfim, somos pra lá de teimosos. Tão teimosos que as mulas empacadas passariam vergonha se estivessem perto da gente.
Por essa razão, imagino eu, a Divina Providência resolveu intervir nos entreveros da nossa amada caverna existencial, enviando o seu Filho amado para quebrar o nosso galho.
Ora, se somos lesados ao ponto de não almejarmos ter nossas vistas tocadas pela luz da Verdade, Ele, que é o Caminho, para fora da caverna perdição, a Verdade, que dissipa as sombras da perversão, e a Vida, que dilata os nossos corações apequenados pela soberba, resolveu adentrar a caverna da “Cidade dos Homens”, que se esparrama em nosso coração, com a luz da “Cidade de Deus”.
Lembremos, que uma cidade, antes de qualquer coisa, é a comunhão dos corações dos homens em torno dos tesouros que cada um carrega nos átrios e ventrículos do seu coração, conforme nos ensina Santo Agostinho e, por isso, na primeira cidade, temos os pútridos frutos do nosso degradante e deformante amor-próprio e, na segunda cidadela, temos o amor a Deus, o amor ao próximo e, é claro, seus aquilatados frutos.
Enfim, no Santo Natal, celebramos a encarnação do Verbo Divino que não encontrou abrigo na “Cidade dos Homens” e, por isso, teve de nascer numa gruta, em uma caverninha em Belém.
Ele, a segunda pessoa da Santíssima Trindade, é a luz que vem romper o véu da noite mais escura da vida, da nossa vida, para que possamos viver verdadeiramente sob a Sua luz se, é claro, humildemente estivermos dispostos a ficarmos com o peito aberto, permitindo que nosso coração seja para Ele uma manjedoura, onde possam ser firmados os alicerces da “Cidade de Deus” em nossa alma, em nossa vida.
É isso. Fim de causo. Feliz Natal.
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