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54 anos de veneração e prazer
Aconteceu no ano da graça de 1965. Cheguei em férias a Maceió, na época, eu era tenente do Exército, bonito e solteiro. Estava no meu paraíso, vesti um velho calção de banho desci à praia da Avenida da Paz, mar azul esverdeado, mergulhei, nadei, cheio de felicidade. Dona Zeca havia preparado um almoço de delícias dos Deuses, carapeba, sururu e fritada de camarão. Após o almoço conversando com a família, minha irmã Rosita convidou-me a visitar o acampamento das bandeirantes, ela a chefe. Ao entardecer fui ao Pontal da Barra onde jovens adolescentes se divertiam brincando de escotismo. Logo notei uma lourinha bonita, beleza de anjo que me tocou, tirei-lhe uma graça cantando um trecho de ciranda: "oh galeguinha você é tão bonitinha, engraçadinha, vou me casar com você..."
O tempo passou, anos depois reencontrei a galeguinha, a mulher mais bonita que já vira, meu coração explodiu, fui direto: “Quero casar com você, se possível, amanhã”.
Vânia levou na brincadeira, só acreditou com minha insistência de homem apaixonado. Iniciamos o namoro, eu nadava em alegria. Em seu aniversário, agosto, noivamos e casamos dia 9 de janeiro de 1970, há exatamente 54 anos. Durante o curto namoro/noivado, nos divertimos comprando móveis. Para os noivos tudo é belo, eu beirando os 30 anos, Vânia, 21. Todos os dias nos encontrávamos entre abraços, beijos, paixão ardente, hormônios ativos, amor e tara, conseguimos comprar os móveis. Passaram-se 54 anos e ainda beijo seus cabelos que a neve do tempo marcou.
Na noite do 8 de janeiro, véspera do casamento, houve a despedida de solteiro. Os amigos foram se achegando ao Bar do Miltinho na Praça 13 de Maio, tinha o melhor tira-gosto da cidade, cerveja gelada, uísque, cachaça da boa, foi ali a celebração de meu último dia de homem livre. O Bar do Miltinho ficava na Praça Treze de Maio, um recanto bucólico, arborizado, a melhor área verde da região do bairro do Poço. A Praça hoje está acabada, foi construída criminosamente a sede do SESC, por que destroem nossa bela cidade? Se eu fosse prefeito, implodia o SESC, retornava a praça ao povo.
Às oito da noite o bar estava lotado, de repente aparece o Téo Vilela com uma Banda de Pífano, alegrou o encontro. Houve discursos, cantorias, histórias engraçadas e obscena relembradas. Amigos militares junto a amigos comunistas no auge da ditadura, um padre, duas raparigas, uma cafetina, sentadas juntos. Alegre despedida de um boêmio. Terminamos com o dia amanhecendo cantando em ritmo de guerreiro: “A minha turma que bebe um pouquinho no Bar do Miltinho até o sol raiar…”
Dia seguinte, a Catedral lotada de convidados, o Capitão no altar, esperando a noiva que atrasou uma hora, os amigos brincavam que a noiva havia fugido. Até que ela entrou de braços com seu pai, linda, devagar ao som da marcha nupcial, eu tinha os olhos molhados, a imagem em nada mudou, vestida de noiva, sorrindo e querendo chorar.
A cerimônia do casamento foi belíssima. A Banda de Música do 20º Batalhão de Caçadores caprichou nas músicas no auge da MPB, da Bossa Nova. O padre Salomão fez uma emocionante oração sobre a união, o casamento. Após a cerimônia saímos de braços dados, do lado de fora da igreja estavam meus colegas oficiais do Exército com suas espadas cruzadas, fazendo um túnel, a abóboda de aço, por onde, abaixados, atravessamos. Durante a recepção a alegria reinou com uma Banda de Pífano, muito uísque, muitos amigos, está gravada em minha memória aquela noite, mais importante e mais feliz
Nesses 54 anos, o céu nem sempre foi de Brigadeiro, algumas rotas de colisão, alguns percalços, soubemos enfrentar. Agora nenhuma tempestade poderá fazer nosso barco afundar. Além de tudo, já avistamos a praia do outro lado. Estamos pertos, navegar é preciso e inexorável.
Construímos uma bela família, três filhos, quatro netos, Vânia deixa um legado à sociedade: sua atuação na Justiça sempre ao lado do bem social como Promotora, como Advogada e Professora. Também deixo meu legado nos livros, na cidadania.
Em nossa casa de praia, na parede da sala, está desenhado um verso de meu querido Lêdo Ivo: "Na Barra de São Miguel, diante do mar, só agora compreendi, o dia mais longo de um homem dura menos que um relâmpago."
Esses 54 anos tornaram-se um relâmpago. Resta apenas o carinho, a veneração e a felicidade em estarmos juntos, antes do último clarão do relâmpago.
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