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Amareladas cartas do azerbaijão
O amigo leitor, imagino eu, já deve ter lido o livro “Cartas Chilenas”. Se não o fez, ao menos deve ter ouvido falar do referido livro, onde o autor, Tomás Antônio Gonzaga, de forma satírica, tecia incontáveis críticas à situação que imperava na amada Minas Gerais do século XVIII.
As treze cartas, que compõem a obra, eram assinadas com o pseudônimo de Critilo e eram endereçadas ao seu amigo Doroteu, pseudônimo de Cláudio Manuel da Costa.
Critilo, supostamente, residia no Chile, na cidade de Santiago, e não economiza na ironia para sentar a ripa num tal de Fanfarrão Minésio, que seria o suposto Governador da Capitania Geral do Chile.
Porém, todavia e entretanto, as críticas não eram ao suposto governador do Chile, mas sim, à corrupção do governador da Capitania de Minas Gerais, o senhor Luís da Cunha Meneses.
Para contornar o despotismo e a censura que imperavam naqueles idos, e não terminar vendo o sol nascer quadrado e, em seguida, ver-se pendurado na forca, o grande poeta recorria a esse sutil subterfúgio para poder dizer a verdade que os donos do poder não queriam que fosse proclamada, nem mesmo sussurrada.
Há quem diga que essa obra perdeu a sua importância e atualidade e, por isso, não deveria mais receber a nossa atenção e que, por isso mesmo, deveríamos deitar as nossas vistas em algo mais atual, mais condizente com os problemas contemporâneos.
Por certo e por óbvio, discordo sobre esse ponto porque, como nos ensina o filósofo colombiano Nícolas Gomez D’Ávida, toda literatura é contemporânea, toda obra literária sempre é atual, para os leitores que, de fato, sabem ler, é claro.
E o curioso nisso tudo é que nós, filhos escarrados da nossa época, acreditamos que pelo fato de estarmos, religiosamente, acompanhado os noticiários (impressos, digitais e televisivos), estaríamos muito bem informados porque, no nosso entendimento, estaríamos a par dos últimos acontecimentos e, por isso, não precisaríamos recorrer à leitura de livros empoeirados e esquecidos.
O engraçado, para não dizer outra coisa, é que nunca paramos para refletir a respeito da importância que essas supostas “últimas notícias”, que sequestram o nosso tempo e atenção, realmente tem. Não apenas isso. Não questionamos, junto com os nossos alfarrábios, porque damos toda essa moral para notícias que, em um curtíssimo prazo, iremos varrer para debaixo do tapete do esquecimento.
Sobre esse ponto, o filósofo e matemático libanês Nassim Nicholas Taleb, nos recomenda que ficássemos, ao menos, por um ano, acompanhando as notícias com atraso. Ao invés de lermos os jornais da semana atual, deveríamos ler apenas os da semana anterior.
Segundo ele, se fizermos isso sistematicamente por um ano, constataríamos por “A” mais “B” que essa idolatria das novidades, que se instaurou em nossa sociedade e, de quebra, aprisionou os nossos corações e mentes, é um trem tão fútil quanto corruptor.
O sociólogo italiano Domenico De Masi nos sugere o mesmo, para que compreendamos que devemos, o mais rápido possível, mudar o centro da nossa atenção.
Ora, se voltamos o nosso olhar ordeiramente para a direção que nos é ditada pela grande mídia e pelo Conglomerado Partidocrata que impera nestas plagas, estaremos vendo apenas e tão somente o que eles desejam que seja visto e, pior, estaremos discutindo somente as questões e problemas que eles querem que discutamos, nos termos que são ditados sutilmente por eles.
Trocando em miúdos, quando consideramos como atual apenas aquilo que nos é cantarolado pelas sereias midiáticas, nós estamos nos permitindo ser rasteiramente manipulados, ao mesmo tempo em que teremos a sensação dionisíaca de estarmos “pensado criticamente” com os nossos próprios miolos.
Enfim, por essa e por muitíssimas outras razões que a leitura de uma obra como “Cartas Chilenas” é mais importante do que acompanharmos as piruetas artificiosas do Jornal Nacional e similares.
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