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A unha encravada que narciso não viu
A verdade não existe; há apenas impressões pessoais, diz o sujeito que afirma que tudo é relativo. O engraçado nessa afirmação é que, além de ser autocontraditória, é negada frontalmente pelas atitudes das pessoas que dizem defendê-la até debaixo d’água.
Reparem, e reparem bem, como a galera que diz que tudo é relativo chega salivar, com as veias do pescoço saltadas, quando alguém tem a petulância de discordar de uma vírgula de qualquer coisa que elas afirmam como sendo certa.
E eis que, num estalar de dedos, toda aquela afetação de ponderação vai pro vinagre, tendo em vista que para esses abençoados, tudo é relativo, tudinho, mas suas opiniões, convicções ideológicas e o caramba a quatro, são inquestionáveis.
Detalhe importante: o problema não está no relativismo em si, mas sim, no uso canhestro que se faz dele.
Ora, uma coisa é relativizarmos o nosso ponto de vista, como uma estratégia metodológica para entendermos situações, realidades e pessoas que, muitas vezes, são muitíssimo diferentes de nós. Agora, outra coisa é querermos impor para os outros o relativismo como um critério absoluto de valor.
Dito de outro modo, quando utilizamos o relativismo como um instrumento de análise, nós compreendemos que cada cultura é um bem singular, que todas as culturas têm seu valor, o que não significa, necessariamente, que todas tenham o mesmo valor.
Nesse sentido, uma atitude que muitas vezes nos falta, sejamos ou não adeptos do relativismo, é o esforço de procurarmos ter um claro entendimento de que a verdade não é aquilo que se conforma com nossas ideias, valores e pontos de vista, mas sim, aquilo que é, independente do fato dela nos agradar ou não.
Aliás, como bem nos ensina o poeta espanhol Antonio Machado, a verdade é o que é e segue sendo mesmo que todos digam o contrário. Mesmo que eu e você façamos cara feia para ela.
Outro ponto que, pessoalmente, julgo de fundamental importância, é o de nunca esquecermos que a verdade não deve, jamais, ser o nosso ponto de partida, porque isso seria meio caminho andado para o autoengano. A verdade, deve ser o nosso ponto de chegada, a terra prometida que almejamos conquistar, como bem nos lembra o historiador italiano Carlo Ginzburg, em seu livro “O fio e o rastro”.
E é por isso que devemos nos aventurar, correndo o risco de errar e de nos perder a procura dela, e não ficarmos imaginando que somos seus detentores, ou fingindo que ela não existe.
E vejam só como são as coisas. Quando vamos nos informar a respeito de algo, via de regra, não procuramos, de fato, saber o que realmente está acontecendo, nada disso. Nós nos contentamos com qualquer fato esparso, com qualquer narrativa fragmentada, que possam contribuir na confirmação daquilo que nós já “tínhamos como certo” a respeito desse ou daquele assunto, pouco importando se isso é verdadeiro ou não.
Agindo dessa forma canhestra, acabamos relativizando tudo, tudinho, menos a nossa maneira obtusa de encarar os fatos da vida, que nos leva a termos uma tremenda sensação de que estamos certos, certíssimos, ao mesmo tempo que nunca, nunquinha, colocamos em xeque as nossas amadas e idolatradas opiniões [de]formadas sobre tudo.
Enfim e por fim, perguntemos, a nós mesmos, a título de curiosidade: comunismo, liberalismo, conservadorismo e tutti quanti; o que, de fato, sabemos a respeito dessas estrovengas? Quais seriam as nossas referências, consultadas e estudadas, para bem compreendermos esses trens? Quais? Pois é. E essa é toda a profundidade relativa das nossas opiniões sobre esses assuntos que, absolutamente, acreditamos conhecer tão bem sem saber praticamente nada.
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