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Quando a oração e o coração estão fora de prumo
Lembro-me que, quando era jovenzinho, tinha altas rusgas com Deus. Na verdade, desde minha infância. E não era mero ateísmo com leite e pera não, nada disso. Eu, naqueles idos, nutria homéricas discussões com o Altíssimo; discussões as quais perdi todas, de forma vexaminosa.
Não sabia eu que com aquele bate-boca estava rezando com meu coração na mão e, hoje, de barba branca, vejo que o Sapientíssimo respondeu a todas as minhas dúvidas e questionamentos porque, admitamos ou não, a nossa vida, de fio a pavio, é uma só oração, um grande diálogo com Deus.
Por essa razão, podemos dizer, sem medo de errar que, a prática da oração, sempre ocupa um lugar central em nossa vida, sejamos nós pessoas religiosas ou não.
Há em nosso peito, como nos ensina Santo Agostinho, um vazio imenso, tão grande, tão grande, que apenas Deus pode preenchê-lo sem deixar lacuna alguma; há em nosso coração uma sede imensurável pelo infinito e, por isso, procuramos Deus em todos os lugares, em cada uma das nossas paragens, em todos os cantos e recantos e, essa procura, reconheçamos ou não, é uma oração. A grande oração da nossa vida.
Todo grito aflito por justiça, por amor, todo grito que clama por esperança, é uma oração e, por isso, nesse sentido cristalino e profundo, todo clamor é uma perene oração e é aí, justamente aí, que a porca torce o rabo e não é num ato de contrição.
Muitas e muitas vezes, todos nós nos sentimos pra lá de aturdidos diante da vastidão do mundo, da imensidão de seus mistérios e dos abismos insondáveis que existem na alma humana e, por isso mesmo, sem nos darmos conta, acabamos por confundir nossos desejos conflitantes, que esbravejam por ordem e sossego, com a imagem do trono do todo poderoso.
Teimosos que somos, acabamos por colocar no centro da nossa vida os bens mundanos, materiais e imateriais, que tanto almejamos e, deste modo, terminamos por fazer deles nossos ídolos de barro, dobrando os nossos joelhos para um trem que é a imagem escarrada da nossa vontade desordenada. Da nossa má vontade.
Aí, sem nos darmos conta, fazemos da procura pela satisfação dos nossos anseios mesquinhos a nossa oração, desdenhando a procura humilde e perseverante pela realização da vontade de Deus em nossa vida, que deveria ser a nossa contínua prece de todo santo dia.
Não é à toa, nem por acaso, que o homem moderno procura diminuir a grandeza de Deus para que Ele caiba “direitinho” nas dimensões do nosso coração apequenado. Não queremos que Ele dilate o nosso peito para que possamos receber o seu amor; para que ele, deste modo, possa transbordar abundantemente em nossa vida.
Podemos afirmar, sem medo de errar, que todas as vezes que temos a grata felicidade de encontrar, no interior de uma Igreja, uma senhora de joelhos dobrados a rezar, vestida de simplicidade, com suas mãos calejadas unidas, próxima ao rosto, estamos diante de uma pessoa que está sendo misteriosamente tocada pela graça. Seu coração está voltado para o alto, diferente do nosso, que está, muitas e muitas vezes, voltado para o que há de mais rasteiro em nós.
Quando Nosso Senhor Jesus Cristo diz (Lucas IX,58) que as raposas têm tocas e os pássaros têm ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde repousar a cabeça, podemos compreender, se assim nosso entendimento permitir, que Cristo está nos perguntando se nós iremos ou não deixar que ele recline a sua cabeça em nosso peito para nele repousar e, deste modo, podermos Nele descansar.
Enfim, é aí, justamente aí que reside todo o problema porque, como todos nós sabemos, nosso coração está cheio, até a tampa, com boleiras de traquitanas que nós elevamos a dignidade de “nossas divindades”. Por isso, para deixarmos de ser as tranqueiras que somos, deveríamos refletir a respeito das nossas orações, a respeito do que está no centro delas e, principalmente, para que direção elas estão direcionando o nosso coração.
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