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Muito além dos versos e das rimas
Rubens Fonseca nos ensina que nada temos a temer, exceto as palavras. Sim, as palavras. E ele sabia muito bem, muito bem mesmo, do que estava falando.
As palavras, literalmente, são facas de dois gumes e, afiadas ou não, cortam e ferem para todos os lados e direções, principalmente as mãos, e a língua, daqueles que as usam levianamente.
Aliás, vocês viram o meme do garotinho que dizia para sua mãe que a avó estava precisando de um carregador para o celular? O meme da “pomadinha de cagador”? Bem esse.
Similares a ele, abundam na internet e, além deles nos brindarem com risos amarelados, nos revelam um problema tremendamente espinhoso.
Tendo isso em vista, creio que seja profícuo lembrarmos as palavras do poeta Octávio Paz que, certa feita havia dito que a religião originária da humanidade seria a poesia. Isso mesmo, a poesia.
Sem dúvida, essa é uma bela imagem para termos em mente, tendo em vista que Deus, para retificar os nossos caminhos, fez-se poeta, inspirando salmos, parábolas, cartas e evangelhos que, de várias formas, nos orientam em nossa jornada por esse mundão todinho Dele.
E o que isso tem que ver com o meme da “pomadinha”? Tudo. Mas vamos devagar com o andor.
Se dermos um passo ousado e passarmos a ver toda a criação enquanto um grande poema, nos virá à mente o fato de que, boa parte dos males vividos por nós, seria fruto dessa nossa mania de querermos corrigir os versos de Deus para que esses fiquem parecidos com o descompassado da nossa vida.
Não é por acaso que todos nós, cada um ao seu modo, imagina em seu íntimo que tudo, ou quase tudo, deveria ser mudado, melhorado; tudo, menos a nossa maravilhosa pessoinha.
Sim, da boca pra fora todos dizemos que almejamos transcender a mesquinharia nossa de cada dia, porém, no fundo, naquele recanto silencioso em que apenas nós podemos adentrar, não é esse o riscado.
Com nossa mesquinhez, tolhemos a linguagem e apequenamos nossa capacidade de apreensão e compreensão da realidade.
Já deu pra perceber a relação que há entre o meme e as palavras do poeta? Ótimo! Sigamos em frente.
Na mesma linha, William Blake nos lembra que em tudo há uma figura que se oculta, que o universo, em sua essência, sempre estaria cioso por manifestar-se, desejando projetar-se em nossa consciência para dilatá-la.
A inteligência trabalha com as imagens e figuras que a imaginação dispõe. Se essas são aquilatadas, férteis e profundas, o nosso entendimento da vida será uma miríade de possibilidades. Agora, se nossa imaginação é povoada apenas por figuras e imagens superficiais, toscas e ordinárias, inevitavelmente os olhos da nossa alma irão acabar se voltando apenas para a lama de uma vida desprovida de ritmo e melodia.
Lembremos: é por meio das palavras que as imagens são evocadas.
Nosso entendimento a respeito de qualquer coisa depende das imagens que são evocadas pelas palavras que integram o arcabouço que dá forma e substância ao nosso horizonte de compreensão.
Por isso, se não temos uma compreensão relativamente profunda das possibilidades que são sugeridas por uma palavra, corremos o risco de ter a nossa percepção mutilada, manipulada pelas imagens que nos são sugeridas pela grande mídia e pelas mídias digitais.
Tendo isso em vista, podemos imaginar o potencial de insensatez que pode imperar num indivíduo cujo domínio da linguagem é atravancado ao ponto de não conseguir externar um pedido simples, como a necessidade de um carregador para o celular.
Aliás, pensemos nas possíveis imagens (confusas) que podem ser sugeridas em nossa mente por palavras como comunismo, fascismo, liberalismo, conservadorismo, aborto, globalismo e similares e veremos o quão ampla, ou limitada, pode ser a nossa capacidade de apreensão e compreensão.
Pode ser tão ampla quanto a de um poema, ou tão confusa quanto uma “pomadinha de cagador”.
Enfim, por essas e outras que nada temos a temer; nada, exceto as palavras.
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