Política

Nunes e aliados de Bolsonaro divergem sobre como enfrentar Marçal em São Paulo

Prefeito aposta em valorizar entregas da gestão, enquanto entorno do ex-presidente cobra bolsonarização. Pesquisadora vê 'preparação de terreno' para eventual segundo turno

Agência O Globo - 19/08/2024
Nunes e aliados de Bolsonaro divergem sobre como enfrentar Marçal em São Paulo
Pablo Marçal - Foto: Instagram - @pablomarcal1

A campanha do prefeito Ricardo Nunes (MDB) e o entorno do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) se dividem sobre como enfrentar Pablo Marçal (PRTB), que disputa com o atual chefe do Executivo o eleitorado bolsonarista em São Paulo. Enquanto um lado prefere focar em entregas e projetos da gestão, com discurso mais pacificador, alguns aliados de Bolsonaro defendem discursos mais ideológicos e uma mudança brusca na estratégia digital do candidato à reeleição.

Segundo o Datafolha, Marçal foi de 7% de intenções de voto, em maio, para 14%, no último dia 8, enquanto Nunes ficou estagnado, oscilando de 24% para 23%. O crescimento do influenciador se deu antes mesmo dos debates, nos quais protagonizou atuações belicosas que tiveram enorme repercussão nas redes sociais. Hoje está previsto o terceiro debate à prefeitura, organizado pela “Veja”. Nunes não irá a este encontro, assim como outros candidatos como Guilherme Boulos (PSOL) e José Luiz Datena (PSDB).

Além da indefinição de qual estratégia adotar, os últimos dias foram marcados por sinais difusos na relação entre Nunes e Bolsonaro. O próprio ex-presidente deu munição para a crise: em entrevista a uma rádio de Natal, disse que o prefeito não era seu “candidato dos sonhos”, e teceu elogios a Marçal, a quem definiu como “uma pessoa inteligente, tem suas virtudes”.

Depois do impacto negativo na campanha de Nunes, Bolsonaro agiu para reiterar o apoio ao prefeito em mensagens a aliados. Em outra frente, bolsonaristas orquestraram movimento de resgate de falas antigas de Marçal com críticas ao ex-presidente. Ao longo do fim de semana, apoiadores como o ex-ministro da Casa Civil de Bolsonaro, Ciro Nogueira (PP-PI), e o vice de Nunes, coronel Mello Araújo (PL) postaram trechos em que o ex-coach ataca e compara o ex-presidente a Lula.

“(O L e a arminha são) o mesmo sinal, eles são farinha do mesmo saco. Esse cara aqui (L) é fã do Fidel Castro, esse (arminha) é fã do Carlos Brilhante Ustra”, disse o ex-coach em 2022, quando tentou se candidatar à Presidência pelo PROS, mas teve candidatura indeferida. “Os dois para mim significam a mesma pessoa. A diferença que eu vejo do Lula para o Bolsonaro é que falta um dedo em um deles”, compara Marçal.

Segundo o colunista Lauro Jardim, do GLOBO, o próprio Bolsonaro compartilhou um vídeo para sua rede de transmissão no WhasApp. O trecho leva a inscrição “M de mentiroso”. Nele, Marçal afirma que não buscou apoio de Bolsonaro. Na sequência, aparece uma imagem de Bolsonaro dizendo que está “fechado com o Ricardo Nunes”.

Também virou motivo de artilharia bolsonarista o fato de Marçal não ter endossado as críticas ao ministro Alexandre de Moraes depois da revelação, pelo jornal “Folha de S. Paulo”, de mensagens entre o magistrado e auxiliares. Nas redes, figuras como o vereador carioca Carlos Bolsonaro (PL) e o pastor Silas Malafaia atacaram o candidato.

Ao GLOBO, Malafaia alega que não tinha a intenção de apoiar ninguém em São Paulo; buscava apenas “desmascarar Boulos”, mas mudou.

— Eu estava calado na campanha em relação a Pablo Marçal, a Nunes. Calado. Mas aí não dá. Querer fazer defesas dissimuladas de Alexandre de Moraes? Acabou.

Queixas de lado a lado

De sexta para cá, houve movimentos para colocar panos quentes na crise entre Nunes e o bolsonarismo, impulsionada ainda por um vídeo em que o prefeito pede voto para Joice Hasselmann, ex-deputada e desafeto do clã. Os principais escalados para a tarefa foram o governador Tarcísio de Freitas e Mello Araújo (PL), que conversaram com o ex-presidente. Nunes se reuniu com o governador na véspera do início da campanha, na quinta-feira, e o deputado federal Nikolas Ferreira (PL), que tem força nas redes sociais, também participou do encontro. Procurado, Nikolas não respondeu.

Na avaliação de pessoas próximas ao ex-presidente, Nunes não explora a figura de Bolsonaro como deveria. São poucas as publicações nas redes que exibem a parceria. Nos folhetos que a campanha entrega nas ruas, há uma foto com o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), mas nenhuma menção a Bolsonaro, e o discurso do prefeito está longe de ter o tom que o bolsonarismo valoriza.

Alguns quadros bolsonaristas criticam a equipe de marketing do emedebista, ainda que Duda Lima, o marqueteiro, seja o mesmo que tocou a campanha de Bolsonaro em 2022. Há uma pressão, especialmente do PL, para que Nunes adote um discurso mais conservador e aumente o tom dos ataques aos adversários nas redes, além de conteúdos mais focados em viralizar.

O prefeito resiste: quer focar em destacar as entregas, tanto nas redes como em entrevistas e debates, e tenta não ceder às provocações dos adversários, especialmente de Marçal. A ausência no debate promovido pela “Veja” é exemplo da estratégia. A avaliação interna é de que a quantidade de debates marcados para esta eleição demanda muito tempo de preparação e tem beneficiado Marçal, que apela para ofensas contra os adversários e as explora em cortes nas redes.

Além disso, o entorno do prefeito acredita que o início das propagandas na TV e no rádio, a partir de 30 de agosto, vai catapultar a candidatura, já que ele será o candidato com maior tempo.

‘Preparação de terreno’

Autora do livro “Menos Marx, mais Mises: O liberalismo e a nova direita no Brasil”, a cientista política Camila Rocha identifica na declaração de Bolsonaro sobre Nunes não ser o “candidato dos sonhos” uma preparação de terreno. Afinal, caso Marçal ultrapasse o prefeito e vá ao segundo turno contra Boulos, o influenciador viraria o candidato da direita.

— Existe uma ideia de que o Marçal só entrou na campanha para causar polêmica, que a candidatura não é real, que se perder tudo bem, mas acho que temos que levar a sério — avalia. — Ele entrou na disputa de verdade e está não só mirando na ideia de atacar o Boulos e derrotá-lo, mas também preocupado em atacar o Nunes, desidratar o eleitorado dele.

Marçal, observa a pesquisadora, consegue ser ao mesmo tempo bolsonarista e antissistema, características que Nunes não tem. O aspecto antissistema também preocupa a campanha de Boulos.

Rocha compara o influenciador ao presidente de El Salvador, Nayib Bukele, pela forma como molda os discursos com foco em diferentes nichos do eleitorado. E a atuação como coach exerce papel central no apelo que tem.

— O apelo dele é uma coisa pouco palpável, um carisma, bem coach. São as coisas que ele projeta, com as quais as pessoas se identificam.