Política

Do samba ao piseiro, conheça os segredos para um bom jingle político, tradição no país desde Getúlio Vargas

Peças musicais criam conexão do candidato com eleitor; ritmo passam ainda pelo funk e chegam ao rap

Agência O Globo - 27/08/2024
Do samba ao piseiro, conheça os segredos para um bom jingle político, tradição no país desde Getúlio Vargas

Com o início das agendas oficiais nas ruas, os candidatos à prefeitura no Rio de Janeiro e em São Paulo exploram as redes sociais para divulgar um elemento tradicional e quase indispensável das campanhas: os jingles. Nesta eleição, os ritmos escolhidos variam entre o tradicional samba, passam pelo piseiro e pelo funk e chegam ao rap.

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Presentes no país desde os tempos de Getúlio Vargas, os jingles estrelam todas as eleições como uma prática de marketing político. São peça central na internet, convenções partidárias, em carros de som e no corpo a corpo nas ruas, explica a cientista social Juliana Fratini, doutora e pesquisadora pela PUC-SP:

— Eles funcionam como um “louvor bem-humorado” ao candidato, que cria uma conexão com o eleitor e desperta emoções de fácil absorção. Isso porque eles não têm estruturas complexas de comunicação, tanto verbal quanto instrumental, e podem ser usados em momentos diversos.

Para o marqueteiro político Jefferson Rodrigues, da agência Ethos, o lançamento dessas músicas pode acontecer em dois momentos distintos: no meio de uma campanha extensa, funcionando como um “respiro” entre ações de marketing consideradas mais agressivas, ou no fim, atuando como uma “cartada final”.

Ingredientes do jingle

Há mais de 20 anos nesse mercado, o diretor comercial da RDS Studio, Sergio Fontinelly, revela que a criação de um hit eleitoral começa por um briefing completo sobre a personalidade do candidato e das propostas que ele quer lançar. Antes proibidas durante a pré-campanha, expressões que buscam persuadir o eleitor, como “vote” e “apoie”, são então distribuídas pela letra que sintetiza a mensagem final. Por fim, são escolhidos melodia e ritmo.

A escolha certeira do gênero musical depende, de acordo com Jefferson, do gosto pessoal do candidato e do eleitorado que ele pretende alcançar. Em um campo de decisão onde os regionalismos certamente importam, o estilo de cada um também faz a diferença.

Em São Paulo, maior colégio eleitoral do país, as canções escolhidas miram em sonoridades reconhecidas pelo gosto paulistano. O samba foi o preferido pelo candidato à reeleição Ricardo Nunes (MDB), com o refrão “deixa Ricardo lá, deixa o cara trabalhar para cuidar da nossa gente”, e pelo deputado federal Guilherme Boulos (PSOL), que escolheu uma adaptação da música “Tá escrito”, um sucesso nacional.

Tabata Amaral (PSB) aposta numa sonoridade mistura o samba e o rap, com trechos como “veio da Vila Missionária com uma missão, mudar a periferia através da educação”.

Datena (PSDB), por sua vez, tem seu jingle no ritmo do sertanejo universitário — vertente que explodiu no Brasil em meados de 2010. A gravação diz: “Datena, independência e coragem, para livrar São Paulo do crime e proteger nossa cidade”.

Apesar de investir na construção da sua campanha nas redes sociais há meses, Pablo Marçal ainda não tem um jingle oficial. O ex-coach compartilha trechos de músicas criadas por fãs, que usam os ritmos funk e piseiro para projetarem apoio a sua candidatura e repetirem o lema “Faz o M”.

No Rio de Janeiro, o candidato à reeleição Eduardo Paes (PSD) optou por um um samba que destaca seus feitos como prefeito em gestões anteriores, com o refrão “o cara é responsa, o povo aprovou”. Alexandre Ramagem (PL) tem uma canção em que alfineta os concorrentes ao pontuar que os políticos são sempre os mesmos e “os problemas continuam”.

Paródia só com permissão

O deputado federal Tarcísio Motta (PSOL) aposta na comunicação com o público jovem e de forma simplificada, falando em “um Rio sem caô” no seu jingle. Marcelo Queiroz (PP) tem dois jingles com os ritmos de funk melody e pop, ressaltando o compromisso com a causa animal e a distância da polarização.

Entre candidatos a prefeito de municípios menores e vereadores há mais diversidade, com músicas que viralizaram nas redes sociais e hits de ritmos como parangolé, axé, piseiro, funk, samba e hinos gospeis. Canções como “Casca de Bala”, do cantor Thullio Milionário, e “Macetando”, de Ivete Sangalo, têm sido as preferidas por essas campanhas, dizem os produtores.

No entanto, o uso de paródias para fins eleitorais foi proibido pela Justiça Eleitoral neste ano. Uma determinação do Tribunal Superior Eleitoral garantiu que autores de obras artísticas usadas sem permissão em peças de propaganda eleitoral podem solicitar que a divulgação do material seja interrompida.

A diretora da Comissão de Direitos Autorais da Ordem dos Advogados do Rio de Janeiro (OAB-RJ), Paula Heleno Vergueiro, afirmou que a resolução atende uma demanda de artistas apresentada há anos.