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Com a alma partida em mil pedaços
Há um belíssimo ensaio de Ortega y Gasset intitulado “No ser hombre de partido”, onde o mesmo apresenta-nos uma longa reflexão sobre a tomada de posição em relação às contendas políticas que tomam conta da vida nas sociedades contemporâneas.
Como todos nós muito bem sabemos, não existe essa história de não tomar partido e isso vale, principalmente, para a turma que prefere colocar-se em uma torre de marfim, toda limpinha, acima do bem e do mal, muito além das disputas e picuinhas da direita e da esquerda; pessoas essas que se consideram isentas, prudentes e muitíssimo sofisticadas e que, de forma muito ladina, querem apenas e tão somente, se possível for, tirar o máximo de vantagem de qualquer time que venha a encilhar sua cela política na égua baia do poder estatal.
Se nos portamos desse modo não estamos, de modo algum, agindo por princípios, nada disso. Estamos apenas elevando, a categoria de princípios, os nossos interesses tacanhos e imediatistas, disfarçando-os com as plumas e paetês de uma desavergonhada e suposta superioridade moral. Resumindo: não há nada de digno nesse tipo de oportunismo rastaquera.
Doutra parte, é importante lembrarmos, que não há nada de profundamente meritório em ser um “homem de partido”, que defende com unhas e dentes todas as traquitanas e estripulias que são orquestradas por um partido político, ou que são praticadas em nome dele. Se agimos assim, estamos, de forma insensata, abdicando do uso da nossa consciência para colocar em seu lugar os ditames de uma agremiação política.
Quando procedemos dessa maneira, acabamos por confundir a tomada de partido em relação a algo, com a tomada de nossa consciência por um partido, para nos manipular em relação a tudo.
Como diria Ortega y Gasset, muitas e muitas pessoas preferem agir assim por causa da segurança psicológica que lhes é dada pelo fato de estarem integrando um grupo. Há pessoas que preferem ter sua mente carregada pelas mãos invisíveis de um partido, e arrastada pelos tentáculos de uma multidão, do que andar, de forma claudicante, com pernas da sua própria consciência.
Diante do exposto, o que seria então menos danoso para a nossa personalidade: a atitude cínica do “isentão”, ou o engajamento insensato e temerário nas fileiras de uma ideologia? Francamente, penso que nem uma coisa, nem outra.
Devemos, sim, no meu entender, nos esmerar em tomarmos uma posição clara em relação à realidade dos fatos da vida, à luz da nossa consciência. Por isso, recuar pode ser uma opção, avançar também, mas nos calar e nos omitir, não. De jeito-maneira.
Sim, podemos nos equivocar ao tomar uma decisão, como podemos estar redondamente mal informados a respeito dos acontecimentos que estão marcando os caminhos e descaminhos da sociedade, mas seremos nós que estaremos cometendo esse erro e assumindo a responsabilidade pela escolha malfadada que fizemos. Não terá essa de nos fiarmos na máxima de Homer Simpson, que diz: “a culpa é minha e eu coloco em quem eu quiser”. Nada disso.
Agora, quando colocamos nossos interesses mesquinhos acima da nossa consciência, o trem desanda de vez, porque, deste modo, acabamos por eleger, como critério de julgamento das nossas decisões, da nossa “cidadania”, tão só e simplesmente o tamanho das vantagens pecuniárias que poderão ou não ser obtidas por nós em uma disputa de poder, seguindo à risca velha lei de Gerson.
E se aderimos apaixonadamente a um partido, colocando-o no lugar da nossa consciência, adotando suas diretrizes como se fossem os princípios orientadores da nossa vida, o único critério de avaliação que teremos será a conquista do poder pelo partido e, é claro, a manutenção da presença do dito-cujo nas entranhas da besta-fera estatal.
Por isso, tomar partido, de forma responsável, é defender a soberania da verdade sobre todos os interesses, inclusive e principalmente, sobre os nossos. Ser um homem de partido é tomar parte na luta pela defesa da majestade da verdade sobre todos nós, principalmente quando a verdade está nos chamando a atenção para as nossas inúmeras fraquezas e limitações.
Sejamos de direita, de esquerda, ou tico-tico no fubá (isentão), é de fundamental importância que procuremos lutar para preservar a nossa mente das sedições que se levantam contra ela, sublevações essas que abundam nesse mundo e que não medem esforços para nos degradar e, principalmente, lutemos, sem fatigar, para proteger nossa consciência contra as mil e uma fraquezas do nosso caráter, ou da falta dele.
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