Brasil
'Não podemos continuar como se estivéssemos em 1695', diz presidente da Fundação Palmares à Sputnik
Em entrevista ao podcast Jabuticaba Sem Caroço, João Jorge Rodrigues afirma que o Brasil precisa de um movimento de reconciliação, como ocorreu na África do Sul, e diz que no último ano a Fundação Palmares passou por um período de renascimento.
No dia 20 de novembro é celebrado o Dia da Consciência Negra. A data foi escolhida em homenagem ao dia da morte de Zumbi dos Palmares, símbolo da resistência dos negros escravizados no Brasil, e tem como objetivo ser um dia de reflexão em torno da luta da população negra brasileira por direitos iguais.
Uma das entidades que atua nessa luta é a Fundação Cultural Palmares. Desde a sua fundação, em agosto de 1988, ela trabalha para proporcionar promoção e preservação dos valores culturais, históricos, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira.
Em entrevista ao podcast Jabuticaba Sem Caroço, da Sputnik Brasil, João Jorge Rodrigues, presidente da Fundação Palmares, narra os desafios do Brasil para combater o racismo e promover a equidade social e racial.
Rodrigues afirma que a cultura afro-brasileira é significativa no Brasil porque é a cultura de 56% da população brasileira, algo como 102 milhões de pessoas, "a segunda [maior] população negra do mundo, depois da Nigéria".
"Ela [a luta], na realidade, está muito mais nos dados da pobreza, da desigualdade, do que no Brasil como um todo. Isso é decorrente do fato de que nós tivemos um longo processo de escravização dos africanos, de 1532 até 1888, mais de 330 anos [356]. E, ao mesmo tempo, não produzimos políticas públicas logo após a abolição da escravatura, de 1888. Com isso, ficou uma consequência que é a geração das favelas, a maioria nas prisões, a intolerância religiosa, a pouca participação na economia de ponta", afirma.
Ele destaca que "a consciência negra é uma consciência da humanidade, é a consciência da ideia de que os seres humanos são iguais, independentemente da cor da pele, da religião e da origem", e o Brasil é um dos grandes países do mundo, junto com EUA, Índia e África do Sul, "com essa necessidade de superar a escravidão".
"Nós não podemos continuar como se estivéssemos em 1695, quando Zumbi foi morto pelas tropas de domínio do Jorge Velho. Nós temos que estar em um ambiente da igualdade e da liberdade. É preciso algo como a África do Sul, de reconciliação do Brasil com os brasileiros de todo tipo", argumenta.
Ele ressalta que quando foi alçado ao posto de presidente da Fundação Palmares, em 2023, a entidade estava abalada pelo governo anterior e foi necessário um trabalho que ele classifica como "renascimento dessa fundação".
"Foi praticamente um renascimento. Para sair de onde estava e vir para uma casa nova, um setor de autarquia, onde contempla um bom funcionamento, uma condição de trabalho melhor, foi uma guerra. E, ao mesmo tempo, uma guerra vencida. Fora o tratamento que nós estamos dando aos novos editais, às políticas públicas e à participação da Fundação Palmares nas políticas do Ministério da Cultura."
Segundo Rodrigues, "o Brasil precisa fazer uma travessia entre o apartheid montado anos atrás e o progresso, fazer uma travessia entre a escravidão e a democracia", entre o passado, o presente e o futuro.
"Já avançamos, mas precisamos de 2030. Por que 2030? Porque nós estamos planejando várias coisas com o clima, com o meio ambiente para 2030. Em 2030 talvez a gente faça uma avaliação: o que é que a gente precisa para 2070, para 2100?"
Ele acrescenta que a Fundação Palmares voltou para o seu cenário, que é "o cenário da cultura, da ciência, da tecnologia, do prazer, da identidade, do respeito ao outro".
"Aqui não se grita, não tem palavrão, aqui não se trata ninguém mal. Pelo contrário, é um ambiente de fraternidade, de construção. Isso pode parecer estranho, mas é um órgão público com viés popular. É um órgão público com viés de respeito. É um órgão público de tratamento humano", afirma Rodrigues.
Por Sputinik Brasil
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