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Brasil deve pensar regulação das redes sociais que reflita realidade do Sul Global, diz analista

Em outubro, o bloqueio por quase 40 dias da rede social X fez retomar as discussões sobre a necessidade de regulação do setor. Diante disso, o Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou nesta quarta-feira (27) discussões se as plataformas são responsáveis ou

Sputinik Brasil 27/11/2024
Brasil deve pensar regulação das redes sociais que reflita realidade do Sul Global, diz analista
Foto: © Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Depois de descumprir diversas decisões judiciais e ainda fechar a representação da empresa no Brasil, um cabo de guerra foi iniciado entre a rede social X, de propriedade do bilionário Elon Musk, e o ministro do STF, Alexandre de Moraes, que chegou a determinar o bloqueio da plataforma no Brasil.

Em meio às acusações de Musk, que chegou a se recusar a cumprir as determinações, a rede ficou com acesso interrompido por 39 dias, até que foram pagas as multas e indicado um novo escritório no país. Tudo isso começou por conta da recusa da empresa em suspender perfis acusados de compartilharem notícias falsas e incentivarem um golpe de Estado.

A situação retomou os questionamentos sobre os limites das empresas responsáveis pelas redes sociais disponíveis no país. Conforme o Marco Civil da Internet, legislação que regula o setor sancionada ainda em 2014, durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), as plataformas são isentas de responsabilidade sobre o que é compartilhado pelos usuários, com exceção de eventuais ordens judiciais que determinem a retirada do conteúdo.

A regra prevista no artigo 19 é alvo de julgamento que foi iniciado pelo STF nesta quarta-feira (27), que também discute se decisões judiciais podem suspender a atividade das empresas, como ocorreu com o X – as discussões serão retomadas na quinta (28).

Muito antes da polêmica com Musk no Brasil, o ministro Gilmar Mendes chegou a defender no ano passado que a atual lei brasileira é ultrapassada e não consegue atender mais a nova realidade.

Isso porque, entre 2013 e 2023, o número de usuários de Internet no país saltou de 13% para 85% da população, que ainda passa em média 3 horas e 46 minutos por dia nas redes (o segundo maior tempo entre os países pesquisados, conforme o Banco Mundial, enquanto a média global é de 2 horas e 31 minutos).

A coordenadora da pós-graduação em direito digital da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Chiara de Teffé, explica à Sputnik Brasil que o que está em jogo é se o artigo 19 é constitucional ou não.

"Ele determina que a obrigação de remover um conteúdo só vem através de uma ordem judicial. O que está sendo questionado é se essa obrigação só pode vir através da Justiça. É um artigo que envolve sempre o conteúdo que um usuário publica na plataforma, não um conteúdo próprio. E qual seria a responsabilidade disso da rede social. É isso que está sendo debatido e se as plataformas deveriam ter mais responsabilidades e moderar mais os conteúdos e, por consequência, retirando-os das redes", explica.

Apesar disso, a legislação não impede que, após uma denúncia, a própria rede possa retirar o conteúdo mesmo sem exigência judicial. Porém, a decisão é interna e cada empresa tem a sua regra.

"O dever de retirar só vai nascer se eu entrar com uma ação judicial e o juiz determinar a retirada, essa é a regra, que só tem duas exceções: na divulgação de imagem íntima ou se o conteúdo é protegido por direito autoral", acrescenta.

Porém, a especialista considera que o artigo 19 não é inconstitucional, situação que é questionada pelo Facebook (plataforma proibida na Rússia por extremismo).

"É importante ter uma interpretação conforme a Constituição e esse é o caminho. E como que se faz isso? A regra é mantida, porém são acrescentadas mais exceções, que são hipóteses em que os provedores devem agir mesmo antes de uma notificação judicial", pontua.

Como possíveis situações, a coordenadora da UERJ cita casos como conteúdos que tragam desinformação grave ou que violem o direito de crianças e adolescentes.

"O Marco Civil da Internet é uma lei muito importante, foi a primeira no Brasil para assegurar direitos e princípios na Internet. E o artigo 19 está muito alinhado com a perspectiva de liberdade de expressão, de evitar a censura, mas um ponto que é importante seria deixar claro ao provador que, caso ele entenda que o conteúdo é lesivo, pode ser retirado. Só que a regra fala que a obrigação legal só vai nascer perante a ordem judicial."

Qual é a nova rede social do momento?

A cada ano, surgem novas plataformas, enquanto outras entram em desuso ou são extintas. No Brasil, a mais utilizada está ligada ao envio de mensagens instantâneas. Atualmente, há opções para a denúncia de conteúdos ofensivos, que não respeitem a lei ou spam, que passam por uma moderação das próprias empresas.

"As plataformas fazem esse processo tanto com humanos quanto utilizando inteligência artificial. Mas o que falta é uma análise um pouco mais profunda sobre temas sensíveis. Seria importante que as empresas façam esse papel com um pouco mais de cuidado e também dar mais transparência aos seus termos de uso. É muito importante que tenham previsões claras sobre o que pode ou não ser postado na plataforma e que, a partir disso, as empresas possam implementar uma moderação transparente e que também respeite as questões culturais", defendeu Chiara de Teffé.

Quando a liberdade de expressão passa a ser crime?

Entre os principais críticos sobre a inclusão de regras que limitem a atuação das redes sociais, a defesa da liberdade de expressão é colocada a todo momento. Na ocasião do bloqueio do X, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) chegou a falar também em censura, assim como outros políticos do mesmo grupo. Porém, a especialista enfatiza que esse direito não é absoluto e que a Constituição impõe limites.

"Por exemplo, é proibida qualquer forma de discriminação, racismo, há também proteções claras aos direitos da personalidade, da imagem e da honra. E tudo isso é ponderado com a liberdade de expressão, que inclusive o STF já deixou claro que não é absoluta [...]. Ainda que seja um direito muito importante para a democracia e que deve ser preservado, também também há previsões que protegem especialmente os grupos mais vulneráveis", diz.

Além disso, Teffé lembra que as redes sociais são também um ambiente de desenvolvimento de relações, inclusive profissionais, e por isso têm se tornado cada vez mais um espaço muito relevante na sociedade brasileira.

"E quando tem essa dimensão e há um controle por um número restrito de atores [que são as plataformas], isso se torna preocupante em vários aspectos. Seria saudável se tivéssemos mais agentes nesse mercado, players e ambientes florescendo. Essa concentração é preocupante em vários níveis", destaca.

O que é regulamentação das mídias sociais?

A regulação é uma forma em que os governos passam a ter instrumentos legais para combater problemas como a disseminação de informações falsas nas redes sociais.

No Brasil, o tema é alvo de um projeto de lei em tramitação desde 2020, mas ainda divide o Congresso Nacional mesmo após quatro anos.

A coordenadora da pós-graduação de direito digital na UERJ explica que não há um modelo "perfeito" e também não recomenda "simplesmente importar" as regras aplicadas na Europa, por exemplo.

"O modelo europeu é pensado para o contexto local, a cultura europeia. Temos que pensar em um modelo que responda adequadamente às demandas do Brasil, enquanto um país do Sul Global, e que se adeque às nossas necessidades e instituições. Porém, algumas iniciativas são interessantes, como a preocupação com que chamam de riscos sistêmicos, que traz a ideia de que alguns conteúdos merecem receber uma moderação maior, uma atenção especial das plataformas. É um caminho interessante", finaliza.