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A Mãe solteira da pescaria

Carlito Peixoto Lima 15/12/2024
A Mãe solteira da pescaria
Carlito Peixoto - Foto: Assessoria


Rosário tentou todos os meios, rezou muito, mas não conseguiu engravidar. Seu sonho era um filho, consultou médicos da cidade do Recife, Rio de Janeiro, Aracaju, ninguém conseguiu diagnosticar, não havia problema com seu corpo, mostravam os exames. Ela não se conformava, marcou consulta para o fim do ano com o mais competente médico do Brasil, Eucimar Coutinho em Salvador. O marido, André Bandeiras, também apresentava normalidade nos exames, mistério da medicina. A esperança de Rosário era o médico baiano.


O jovem casal vivia em certa harmonia, os dois trabalhavam, tinham uma vida simples, sem gastos supérfluos, cada qual com seu carro. Queriam apenas um menino para reinar naquela casa confortável, bem decorada, na praia da Pecaria. Certo dia, Rosário sentiu alguma mudança no comportamento do marido, não sabia o que era, o instinto feminino despertou-lhe sensação de suspeita de alguma coisa estar acontecendo. Numa noite sua sensibilidade instintiva inspirou algumas perguntas ao marido. Pelas respostas vagas, evasivas sem convicção, Rosário teve certeza, havia alguma coisa no ar além dos urubus, pombos e nuvens passageiras. Começou a investigar suas roupas, números de celulares, nenhum vestígio, nenhuma pista deixada. Convenceu-se, era apenas ciúme de mulher sem filho ou coisa parecida. Quando, num entardecer André lhe telefonou avisando, chegaria um pouco mais tarde, visitava um cliente. Após atender, ela deixou o celular em cima da mesinha, continuou a ver um filme na televisão. Certo momento escutou pequeno barulho no celular, colocou-o ao ouvido, o marido não havia apagado o telefone, ficou pasma ao ouvir André conversar com nítida clareza.


"... preciso ver coisas novas, viajar pelo mundo, sou muito novo, casei-me cedo, mas o que quero nesse instante minha querida é fazer amor com você Aída, quero você cada dia mais. Terei cerca de duas horas para lhe amar no motel maravilhoso Jacarecica. Vou lhe pegar em frente as Lojas Americanas”


Interrompeu a conversa, o celular de repente ficou mudo, desta vez desligou. A cabeça de Rosário virava, ela tentava acalmar-se, entretanto, a emoção forte, quebrou jarros, cristais, o que tinha por perto. Chorou, se acalmou. Primeira providência, procurou na agenda o número do telefone do Almeida, marido de Aída. Cobriu o telefone com um guardanapo, falou bem devagar.


- "É Seu Almeida?" - ao confirmar, prosseguiu - "Olhe sua mulher nesse momento está com um amante no Motel Jacarecica".


Desligou o telefone sem dar tempo de Almeidinha falar. Rosário entrou no quarto do casal, juntou as roupas do marido, fez três trouxas de calças, camisas, paletós, cuecas, bermudas, deixou-as na varanda da casa. Ficou esperando André, sem lágrimas. Eram oito e meia da noite quando ele chegou com fisionomia preocupada, tentando apresentar normalidade, foi perguntando.


-"Tudo bem querida?" - sorriu amarelo.


Ela explodiu, gritando com toda raiva acumulada.


-"Tudo bem é a p.q.p., você é um canalha, um safado, ouvi toda a conversa com a vadia da Aída, você esqueceu de desligar o celular. Agora saía dessa casa antes que eu faça uma besteira." - apontou-lhe o revólver novinho, presente de casamento de seu pai.


André entre surpreso e desesperado, gritava.


-"Não atire Rosário, não acabe minha vida, guarde esse revolver, me perdoe querida, eu explico".


-"Covarde! Suas trouxas estão na portaria, desapareça da minha frente ou dou um tiro nos seus cornos."


André abriu a porta, pegou as trouxas, escafedeu-se, nunca mais pisou na casa. Naquela mesma noite, Rosário tomou um banho de banheira, relaxante, colocou um vestido preto, perfumou-se, pintou-se, foi à guerra, saiu na noitada. Hoje, é conhecida boemia da cidade, dá para quem quer, tem apenas uma dúvida, não sabe quem é o pai do filho que leva na barriga. Ela diz para todo mundo, tranquila.


- Quero ser mãe solteira, criar meu filho correndo aqui no bairro da Pescaria, pescando nesse mar lindo e maravilhoso de minha infância.