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Consumo
Abundam falas contra o consumo na sua forma de desperdício e de suntuosidade. Está posto em circulação um discurso ético contra exageros que cometemos todos os dias; começamos a identificar erros e acertos nas atitudes corriqueiras que tomamos ao buscar suprir os nossos caprichos. Suponho que a tais esforços se voltem escassas pessoas, todavia o tema tem estamento próprio; embora poucos adeptos, prevalece.
Mas... o que é o mal falado consumo? Conforme o Aurélio, é a “utilização de mercadorias e serviços para satisfação das necessidades humanas”. E o que seria necessidade? Novamente, o Aurélio: “aquilo que é absolutamente necessário; exigência”. Ora, é bem sabido que consumir já se desprendeu de necessitar. Consome-se acima do necessário, e não há constrangimento para que alguém não o faça; antes, há incentivo.
Assinalam-se culpados pela dissipação: o vilão preferido é o neocapitalismo. Não se sabe bem o que é neocapitalismo, entretanto nele encontrou-se um culpado difuso e expiatório. Bem, o neocapitalismo não é um ente que se sobrepôs ao mundo, trata-se de um modelo econômico e decorre de relações humanas mais complexas do que uma suposta conspiração de pessoas malvadas. Ademais, a adesão é voluntária.
Outro meio apontado como execrável é a mídia “burguesa”. As pessoas desavisadas seriam convencidas a comprar insanamente. Não sei se as pessoas são assim, se caem em sedução e saem comprando o que quer que se lhes ofereça, incapazes de qualquer deliberação própria. Não creio nisso. Sim, há quem se desencaminhe, mas perder-se não é apanágio da época atual, antes, é marca da humanidade.
Há outras explicações: a Psicanálise supõe a incompletude constitutiva do ser humano. Nós seríamos essencialmente insuficientes, não nos bastaríamos. Há uma falta que nos compõe. Daí, na busca ávida por nos completarmos, nos agarramos a tudo o que podemos. Há quem agarre outro\a alguém, quem agarre dinheiro, quem agarre compras, quem agarre comida, quem agarre crenças, quem agarre cães ou gatos.
Nisso de cães e gatos, um aspecto variante: essas ferinhas já foram objeto de consumo; foram elevadas de grau. Tomaram lugar destacado na vida familiar e foram transformadas em consumidoras: ganharam direito a hora de passeio, assistência médica, comércio alimentar, tratamento de beleza, academia, lugar na mesa, hotel, lojas especializadas, viagens. Consumo conspícuo, mercado de muitos milhões de reais.
Fico no consumo humano, embora o consumo animal seja extensão do humano. Há pouco estávamos na selva. Da precariedade dos agrupamentos primitivos, alcançamos a sociedade de multidões, de bilhões de pessoas, de produção em escala para consumo em quantidade. Isso é uma relação. Não é possível endereçar a culpa. A humanidade, insatisfeita, ávida por se completar, não se completa, então produz e consome.
O\a humano\a sobrevive de preencher esse vazio na própria vida. No que isso dará? Claro, não sei, mas lembro-me de que em passado bem recente grande parte do mundo estava segura debaixo de utopias e de religiões. Comunistas garantiam um paraíso na Terra; religiões, refiro as monoteístas, prometiam vida eterna em um lugar que deve ser muito enfadonho chamado Céu. Anoto que Freud não cria em nenhum dos dois.
O geral da humanidade ocidental acreditava que o mundo, terreno ou celeste, tinha solução. Agora, ainda que muito\as se declarem anticapitalistas ou crentes no além, já não sabem do que falam. Utopias e crenças foram convertidas em mercadoria (Marx). Revolucionário\as ou carentes seguirão, já sem argumento, em busca de algum culpado\a ou de um deus. A humanidade, entretanto, terá de se haver consigo mesma.
Oxalá nos entendamos em termos materiais: a Terra é limitada, não cabe mais gente; o ritmo de consumo está insustentável. Ironicamente, porém, sabemos qual é a solução. Qualquer pessoa esclarecida a sabe. Como não acredito que quem lucre vá abandonar seu sistema de ganho, teria que crer em consumo responsável, contudo, a ideia de consumo responsável foi, ela mesma, convertida em mercadoria: é marketing.
Alinho-me a quem defende que as condições de estar no mundo melhoraram. Não vislumbro, entretanto, saída para o esgotamento do Planeta. Não há quem se convença a si, ou a quem sofra mais no pagamento da conta, a renunciar ao fascínio das mercadorias. Muitos não queremos política. Nas poucas ocasiões em que nos manifestamos, não o é pela troca de sistema. De de comum, só queremos condição de consumir.
O consumo existe porque estar vivo não basta. Nunca bastou. E nem só de arte se alimenta a humanidade, embora a arte acalente o viver. Já se a nutriu com pão e circo. Adianta pouco variar o recheio da existência. O sistema capitalista se especializou na proliferação de mercadorias, e nelas põe fetiche (Marx). O vazio existencial, enfeitiçado, quer mais: quer “democratizar” um mundo de consumo para consumidores.
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