Brasil
Aumento do crime organizado e de queimadas na Amazônia podem prejudicar a COP30 do Pará?
A menos de um ano para a realização da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), que será realizada em novembro de 2025, em Belém, no Pará, o Brasil testemunha o avanço preocupante do narcotráfico e consequente aumento de crimes am
Estudo recente, divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em parceria com o Instituto Mãe Crioula (IMC), revela que o crime organizado está presente em três de cada dez cidades da região: pelo menos 260. Em comparação com 2023, este ano registrou aumento de 46% na presença de fações criminosas no bioma, segundo a pesquisa.
Dados de outubro da Polícia Rodoviária Federal (PRF) apontam que a ocorrência de crimes ambientais na Amazônia Legal teve aumento de 88% entre agosto de 2023 e setembro de 2024, na comparação com os 14 meses anteriores.
A Amazônia Legal ocupa 58% do território brasileiro e abrange nove estados das regiões Norte (Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins), Centro-Oeste (Mato Grosso) e Nordeste (Maranhão) e onde habitam cerca de 30 milhões de pessoas.
Especialistas consultados pela Sputnik Brasil apontam que a vastidão do território, a carência de meios e pessoal para investigar, fiscalizar e punir ilegalidades, bem como de políticas sociais que diminuam a desigualdade são os maiores desafios das autoridades no combate aos crimes cometidos na região.
O geógrafo pesquisador do Instituto Mãe Crioula e da Universidade do Estado do Pará (UEPA), Aiala Couto salienta que a forma como a região foi concebida no processo de desenvolvimento do capitalismo gerou um histórico de conflitos fundiários, ambientais, de garimpo, de atividades ilegais que se conectam e incrementam a desigualdade sócio espacial.
Logo, exigem investimentos em "política de regulação fundiária e inclusão das populações vulneráveis dentro de um circuito produtivo, legal e sustentável", defende ele.
"A desigualdade socioespacial, pobreza, a grilagem de terra, a violência no campo o contrabando de madeira e o garimpo legal são as desigualdades geradas e os impactos ambientais gerados pelo garimpo, pela mineração legal. É a expansão do agronegócio que promove desterritorialização", exemplifica.
Para o especialista em segurança pública e presidente do Instituto de Criminalística e Ciências Políticas da América Latina, José Ricardo Bandeira, esse panorama representa uma "séria ameaça à realização da COP30".
"A associação da região com a violência, o desmatamento e a exploração ilegal de recursos naturais pode manchar a imagem do evento e dificultar a mobilização de líderes mundiais e investidores", opina ele. "A situação atual pode minar a credibilidade do Brasil no cenário internacional e comprometer seus objetivos de liderar a agenda climática", acrescenta.
Além disso, ressalta ele, a insegurança na região pode impedir a realização de atividades programadas para a COP30, como visitas a áreas protegidas e encontros com comunidades locais.
Os entrevistados destacam ainda que o processo de precarização e sucateamento, no governo de Jair Bolsonaro, de instituições como a Polícia Federal na Amazônia, do Instituto Chico Mendes da Biodiversidade, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), também permitiram a multiplicação de modalidades de crime na região.
Dentre as iniciativas a serem tomadas de imediato para sanar o problema, Bandeira cita o aumento da fiscalização, multas mais rigorosas, fortalecimento dos órgãos ambientais, inversão em tecnologias de monitoramento, aumento do efetivo policial e maior cooperação entre os órgãos de segurança.
"É preciso investir em equipamentos modernos, como drones, radares e sistemas de geoprocessamento, além de aumentar o número de policiais especializados em crimes ambientais e organizados", elenca Bandeira.
Professor de ciências sociais da UFRR e pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Rodrigo Chagas avalia que a COP 30 não tem fôlego para provocar mudanças estruturais, mas, sim, impulsionar ações que atuem no aspecto estrutural.
"Obviamente, podem sair dali compromissos internacionais, pressões para que os governos adotem políticas públicas [...] O mundo todo vai estar olhando para isso, então potencialmente é um evento importante [...] não é algo estrutural, mas tem potencialidade de gerar mudanças estruturais", diz ele, que atualmente pesquisa garimpo e narcotráfico em Roraima, com ênfase no complexo do narcotráfico e a tríplice fronteira (Brasil, Venezuela e Guiana).
Chagas pondera que, historicamente, o Estado foi o principal patrocinador da vinda pessoas do restante do Brasil para explorar a região amazônica, construindo estradas, convocando migrantes. O desmatamento e a garimpagem, observa, foram atividades estimuladas pelo governo durante décadas para a colonização da região amazônica.
Reverter o processo de desmatamento e garimpagem como únicas alternativas para essas pessoas é de responsabilidade do Estado, alega.
"É necessário fazer um trabalho de reparação histórica com as pessoas que vieram a convite do Estado, que fizeram isso a vida toda e agora se veem tratados como criminosos [...] As pessoas vivem dessas atividades e a maioria chegou na Amazônia a convite do Estado desde os anos de 1970", comenta Chagas.
Superencarceramento de jovens
Terceira maior população carcerária do mundo, o Brasil tem hoje cerca de 800 mil presos, sobretudo jovens negros (67%), e é responsável pelo aumento da violência e tráfico de drogas na Amazônia Legal, de acordo com o estudo do FBSP.
Couto, que participou da pesquisa, afirma que o sistema prisional no Brasil se tornou um grande elo de ligação entre o clima organizado e o processo de territorialização na Amazônia por parte das facções.
"Na Amazônia, a chegada do CV [Comando Vermelho] e do PCC [Primeiro Comando da Capital] se dá a partir do sistema prisional. Onde a transferência de narcotraficantes dos estados da Amazônia para os presídios federais acabou conectando esses presos com as facções que hoje se difundem pela região amazônica, a partir dos estados e dos municípios que compõem a Amazônia Legal", explica o geógrafo.
No médio e longo prazo, os analistas defendem investimento em políticas públicas redistributivas e de cidadania voltadas para a juventude nas periferias como formas de diminuir a população carcerária e, consequentemente, a criminalidade.
"[...] Ao mesmo tempo, uma política integrada de cooperação entre os países da Panamazônia para poder então fazer a vigilância das fronteiras e coibir crimes ambientais e outras atividades ligadas ao crime organizado", diz Aiala Couto.
Chagas chama a atenção que, no curto prazo, é urgente o apoio para os principais afetados pelo crime organizado e garimpagem ilegal na Amazônia Legal: os povos indígenas.
"A saúde é o ponto principal e, na sequência, a segurança pública, porque essas atividades das facções, dos garimpeiros, dos madeireiros, vão minando o senso de comunidade, vai minando a força dessas populações que estão no território."
Um segundo passo, pontua, seria fortalecer a organização desse e de outros grupos, como quilombolas e ribeirinhos, em articulação com os órgãos responsáveis em nível estatal e internacional.
"Se a gente perder a capacidade dessas pessoas terem uma certa tranquilidade para se organizar e conseguir avançar, depois de tanto ataque que sofreram, fica muito difícil reverter qualquer processo, porque são essas pessoas que estão na linha de frente", conclui Chagas.
Por Sputinik Brasil
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