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A arte do possível

Léo Rosa de Andrade 20/03/2025
A arte do possível
Léo Rosa - Foto: Assessoria


À época da presidenta Dilma Roussef, havia várias pesquisas de opinião pública trazendo informações mais significativas do que a de queda de aprovação à então primeira mandatária do Brasil. Vistas em conjunto, as enquetes nos informavam sobre o que pensava o\a brasileiro\a acerca de governo, política, políticos, economia etc. Elas apontavam, à beira do tempo em que o Brasil viria a se dividir ideologicamente em duas partes sem denominador comum, que existia desinteresse geral acentuado pela coisa pública.

Quanto aos candidatos à Presidência que se apresentavam, desgostava-se de Dilma, mas não se pretendia votar em Aécio Neves e menos ainda em Eduardo Campos. A população gostaria de um candidato “de outro tipo”, com “outras propostas”. A questão era descobrir quem seria esse candidato e o que ele deveria propor. Por fim e por mais importante, como o candidato, em sendo eleito, poderia cumprir o que prometesse. O candidato seria Jair Bolsonaro, que, infelizmente, eleito e empossado, cumpriu o que prometera.

Fernando Henrique Cardoso (que Bolsonaro gostaria de haver assassinado, conforme sua própria declaração), ao seu tempo de governante, costumava citar Otto Von Bismarck: “Política é a arte do possível”. O exercício do poder político é mesmo isso, segundo penso: a articulação do possível em busca do desejável. A nossa tradição de frouxidão ideológica, todavia, distende a “arte do possível”. Praticamos mais a arte do acordo pelo alto: a elites se acertam. Acertaram-se, inclusive, à esquerda e à direita, sobre a impunidade das barbaridades da Ditadura de 1964.

A procrastinação do necessário a fazer, contudo, talvez não seja por maldade de quem governe. Além de o\a político\a ocupar postos tomado\a por essa mentalidade “conservadora”, o possível articulável nem sempre é o possível suficiente para realizar os planos do\a governante; que se dirá dos do povo. As sombras da nossa estrutura coronelista de dominação remanescem conformando o presente. Estão nas subjacências das relações de poder, nomeadas por Jânio Quadros de “forças ocultas”.

As forças ocultas brasileiras não são novas nem ocultas. Getúlio Vargas já as denunciava enquanto serenamente saía da vida para entrar na História: “Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho”.

Conferindo a história e a contabilidade da Nação, resto convencido de que, com um tanto de erros e outro maior de acertos, Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Fernando Henrique Cardoso e Lula da Silva disseram a que viriam e mostraram em boa parte a que vieram. Não vejo outro\a presidente\a com densidade pessoal, percepção das circunstâncias e senso de oportunidade para ser mais do que medíocre.

Além de não termos um elenco presidencial muito digno, tivemos muitos governantes que, em defesa do atraso, se escolheram a si próprios comandantes de ditaduras e se impuseram, ou tentaram se impor, sobre a Pátria. Esses déspotas são repudiáveis pelo que fizeram de ruim e pelo que impediram que se fizesse de bom. Uma ditadura nunca é má somente pelos seus desmandos, antes o é pelas sequelas da interrupção da experiência democrática.

Isso tudo é História, e não creio que se a levava em conta quando se decidia, em tempos próximos, sobre escolha de candidato\as. Parece que as pessoas, nessa época, estavam enfastiadas. Para o povo, então, prevalecia um danem-se o\as político\as. Houve perda de compromisso com a coisa pública. Não havia uma voz de superação do que existia. Nem gostávamos do presente, nem projetávamos um futuro.

Dito sociologicamente, estávamos desacreditados de nós. Há culpados da perda da credibilidade democrática, e sabemos de quem se trata, contudo, a confrontação nunca nos interessou; nossas injúrias à soberania popular são relegadas ao esquecimento. Ao povo, todavia, sobrava, na medida em que não sumimos com o nosso sistema eleitoral, tomar posição: se não podíamos escolher o\a melhor, a arte do possível: escolhíamos o\as menos ruins.

De repente, um salvador da pátria. Vem-nos alguém que é visto como solução dos males presentes, do passado ressentido, da ordem futura. Foi-se de mal a pior. O epitetado redentor cumpriu o que disse; no cumprir o dito, realizou o desastre: perdeu-se em mixarias políticas da pior categoria. Ideologicamente, Bolsonaro catalisou um Brasil reacionário, religioso, rancoroso. Candidato desastrado, político derrotado. Do passado confrontado, voltou Lula. Penso que Lula não ganhou por suas qualidades, mas porque o desastre Bolsonaro era incontornável.

Imputações de crimes, processos, explicações; denúncias de perseguição. Primeiro Lula, depois Bolsonaro. Cada um, a seu tempo, acusava e acusa a mídia jornalística, a internet, o Supremo. A política, ao nosso modo de fazê-la, recomeça. A “arte do possível”, logo, eleições: atos atribuídos ao povo. Não temos muitas grandezas, prevalecem ruindades, mas há um tanto de político\as médio\as. Se descartarmos salvacionismos e ficarmos com o plausível à direita ou à esquerda, quiçá nos reencaminhemos.

Escolhe quem vota. Prefiro esquerda, mas, antes, prefiro que as pessoas prefiram sua preferência. Trata-se de antiga discussão, mais recentemente, no mundo liberal, resolvida em eleição. Sobre a qualidade do\a eleitor\a, é assunto controverso. Todo\as nos achamos ótimo\as. É difícil conferir. Que tenhamos sensatez. Desejo a todo\as, desde já, participação político-partidária, um bom voto em cada eleição, uma boa campanha, se houver disposição cívica de ajuda a mais que a de só reclamação.