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Petro é 'um líder político que está um pouco algemado' na luta contra grupos armados, diz analista

Por Sputinik Brasil 22/04/2025
Petro é 'um líder político que está um pouco algemado' na luta contra grupos armados, diz analista
Foto: © AP Photo / Fernando Vergara

A tragédia social envolvendo embates entre as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), outros grupos armados e governos colombianos perdura há mais de seis décadas. Já foram inúmeros acordos de paz, entre períodos sangrentos e traumáticos, na história do país.

Na última semana, o impasse ganhou novos contornos, depois que o governo colombiano suspendeu o cessar-fogo com uma facção de dissidentes das FARC.

Sobre os recentes eventos, o programa Mundioka, da Sputnik Brasil, ouviu o doutor em ciência política e professor de relações internacionais da Universidade La Salle Andrés Londoño e o doutor em história comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Eduardo Gomes, especializado em estudos sobre a história da Colômbia.

Gomes comentou que a história contemporânea colombiana é marcada pelo uso da violência para combater a violência, com altos e baixos desde o assassinato do líder liberal Jorge Gaitan, em 1948.

Criado na década de 1960 com vertentes marxistas, em um cenário de Guerra Fria e ditaduras capitalistas na América do Sul, o grupo FARC é fruto desse processo de violência, fortalecido pelo narcotráfico e movimentos paramilitares, frisou o professor de história.

O primeiro acordo só veio a ocorrer em 2012, no governo do então presidente Juan Manuel Santos, consolidado em 2016, no seu segundo mandato.

"Juan Manuel Santos teve uma pressão muito grande e foi uma das suas promessas de governo buscar essa paz com as principais guerrilhas. Não teve sucesso com o Exército de Libertação Nacional como se esperava, mas com as FARC, mesmo que às pressas, se estabeleceu um acordo para buscar essa paz".

As dissidências das FARC se formaram justamente após a assinatura do acordo, acrescentou Londoño, sendo o Estado Maior Central (EMC) um dos grupos mais expressivos e violentos.

"Depois do acordo ficou um vazio em muitos territórios, ocupados por diversos grupos [...] as FARC já não vão ser esse grupo que era antes, com hierarquia, será uma série de vários grupos dissidentes que atuam em diferentes territórios colombianos e têm gerado um aumento do conflito em várias regiões do país."

Nesse acordo houve a ressocialização de antigos guerrilheiros das FARC, mais de 7 mil colocados no mercado de trabalho, na vida social, e a previsão de o grupo se tornar um partido político.

"Entretanto, nem todo mundo no âmbito das FARC teve concordância com isso. Foram formados grupos dissidentes que de alguma maneira foram se consolidando desde então dentro dos dois governos subsequentes, o Ivan Duque e posteriormente o de Gustavo Petro com tentativas de reivindicar pautas que eles também entendiam como sendo importantes para se estabelecer esse tal acordo de paz".

Para os entrevistados, um dos problemas enfrentados na atualidade pelo atual governo é o fato de o acordo na gestão de Juan Manuel Santos ter sido feito "às pressas", sem organização sociopolítica para dar materialidade às pautas acordadas.

Já o governo de Ivan Duque, de orientação política conservadora e de direita, foi recebido com ceticismo pelos dissidentes, explicou ele. Petro, que assumiu a presidência em 2022, já entrou em um contexto de instabilidade, afirmou o estudioso:

"Gustavo Petro além de tentar entender quais são as vinculações desses grupos dissidentes com outras esferas da sociedade fica naquela chamada sinuca de bico, de ter que agradar gregos e troianos [...] alcançar um caminho favorável para quem sabe assim, diminuir ou estancar esse sangue que está sendo derramado frequentemente e recentemente na Colômbia".

Para o professor da La Salle, ao propor a "paz total" e se prontificar a negociar com todos os grupos, Petro se deparou com um processo de negociação ainda mais complexo, devido à fragmentação do movimento e à perda de uma hierarquia, em que muitos grupos perderam a orientação ideológica e sequer sabem o que querem.

"Inclusive, a vice-presidenta, Francia Marques, ela tem criticado a paz total, que não tem chegado a ter os resultados e que muitas pessoas falam para ela que estão pior agora do que antes desse governo", comentou.

Londoño acrescentou que a disputa pelo controle dos recursos e de certos negócios como o narcotráfico, o tráfego ilegal de recursos naturais e de pessoas recrudesceu a crise humanitária em algumas localidades.

Por outro lado, Gomes comentou que o fato de Petro ter sido guerrilheiro faz com que alguns grupos o considerem traidor da causa:

"Dentro da própria guerrilha há divergências. Não é um movimento 100% coeso e a dissidência deixa claro isso. Então, olhando para o presidente, a gente consegue identificar um líder político que está um pouco algemado nesse sentido e que está tendo dificuldade desde o ano passado".

A quebra desses acordos no decorrer deste ano já resultou em centenas de mortes e sequestros pelos dissidentes não apenas das FARC, como também de grupos paramilitares.

População descrente

Após mais de 60 anos de violência constante, o pessimismo marca a sociedade colombiana, de acordo com Gomes.

Londoño avaliou que a opinião pública, sobretudo, por parte da oposição, defendeu a retomada da via armada e fortalecimento das forças militares, estratégia implementada em governos anteriores, nas décadas de 1990 e 2000, que diminuiu algumas estatísticas, mas aumentou o número de violações dos direitos humanos.

"A paz total foi, precisamente, uma boa intenção, mas que não conseguiu ser implementada. Então, isso faz com que exista preocupação na opinião pública pelo aumento do conflito no país".

Narrativa historicamente construída por um país majoritariamente governado por grupos de direita, a vinculação inerente das FARC com o narcotráfico dificulta ainda mais o processo de paz, acredita Gomes:

"São tentativas que falham quando os guerrilheiros são tratados como narcotraficantes ou vinculam diretamente de uma maneira que não considerem seus referenciais históricos ideológicos [...] Gustavo Petro precisaria não só melhor entender o movimento, como também não vinculá-lo a outros movimentos de outras naturezas que também são problemas sociais de segurança pública que envolvem a Colômbia como um todo", argumentou o historiador.

Por outro lado, a iniciativa de Petro abriu o diálogo sobre a paz territorial com atores-chave em cada território para pensar as políticas públicas. O lampejo de esperança ocorreu neste governo, observou, por ter origem mais popular e mais à esquerda:

"Um governo que se colocou disponível para colocar um ponto final nisso tudo de uma maneira respeitosa com as questões ideológicas dos grupos que também estão tentando esse acordo".

Programas associados à substituição de cultivos de uso ilícito, como a coca, por exemplo, têm aumentado, mas ainda enfrentam obstáculos, pois devido às dinâmicas do conflito e às persistências da pobreza e da desigualdade, muitas famílias preferem continuar cultivando coca que transitar a outros tipos de economia.

Mas isso requer tempo, coalizão e uma série de questões políticas que talvez não estejam ao alcance de Petro à frente do governo.

"Essa agenda e um parlamento que também está alinhado mais à direita fizeram com que ele já tivesse essa dificuldade mais macro", comentou.

As eleições que se avizinham no próximo ano tornam a empreitada ainda mais frenética e desafiadora para Petro, que deve tentar a reeleição, destacaram ambos os entrevistados.

"Se a esquerda vai conseguir se manter no poder é um cenário que a gente ainda vai poder vir a analisar [...] mas os altos e baixos e as desigualdades ainda são explícitos na Colômbia. Não vai se resolver em três, quatro anos. Então, tudo isso não nos dá garantias de que a esquerda vai se manter no poder", ponderou Gomes.