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Sistema previdenciário atual é baseado em modelo europeu que não reflete mais a realidade, diz analista

Por Sputinik Brasil 28/08/2025
Sistema previdenciário atual é baseado em modelo europeu que não reflete mais a realidade, diz analista
Foto: © AP Photo / Mel Evans

Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, analistas apontam que o sistema previdenciário adotado hoje no mundo é baseado na ideia do seguro social do século XIX, quando os índices populacionais eram altos, e não se adequa ao declínio populacional atualmente enfrentado por vários países.

O Japão registrou a maior queda populacional da história do país. Segundo dados oficiais do governo, em 2024, o país registrou 686.061 nascimentos, o menor número desde o início da série histórica em 1899, contra 1,6 milhão de mortes no período. Os números representam uma diferença de quase um milhão de mortes em relação a nascimentos.

O contínuo envelhecimento da população, sem a criação de uma força de trabalho jovem, pesa para o governo japonês, que para reverter a situação implantou medidas como um imposto para todos os cidadãos que isenta aqueles que têm filhos.

Os problemas gerados pelo envelhecimento populacional não são exclusivos do Japão, e preocupam outros países do mundo, conforme aponta ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, Ricardo Caichiolo, professor de relações internacionais do Ibmec.

"Essa tendência desse envelhecimento populacional na Europa já é consolidada. [...] Existem alguns países que ainda tentam mitigar esse fenômeno, com algumas ações, algumas políticas", afirma.

Ele explica que o declínio populacional impacta diretamente a economia e também o poderio militar desses países, colocando-os em uma situação oposta aos Estados que vivenciam o chamado bônus demográfico, que é quando a força de trabalho, composta por uma população jovem e economicamente ativa, supera a população inativa, impulsionando o crescimento.

"É o caso de países como a Índia, a Nigéria, que passam pelo bônus demográfico. Então, por outro lado, você tem, de fato, a Europa com uma força de trabalho menor, mais velha. E isso acaba influenciando, inclusive, na capacidade da inovação da economia, do seu crescimento, e limitando recursos para investimentos em várias áreas, inclusive em defesa e na diplomacia."

Caichiolo destaca o caso da China, que durante décadas adotou a política do filho único para desacelerar o crescimento populacional, revertendo a medida em 2016, substituindo-a por um limite de dois filhos, e de três filhos em 2021. Ele aponta que agora o país enfrenta uma queda populacional, que criou o problema da pirâmide etária invertida, em que há um número crescente de idosos e uma base de jovens cada vez menor.

"Seguindo nesse mesmo ritmo, aí isso impacta economicamente a China que a gente conhece, que durante décadas crescia mais de dois dígitos o seu PIB ao ano", afirma.

Já no recorte da África, ele aponta que o bônus populacional fará com que em 2050 uma em cada quatro pessoas no mundo em idade ativa seja africana, com a população jovem global concentrada no continente.

O especialista afirma que se países africanos conseguirem captar essa população jovem, investindo em saúde, educação, empregos e políticas públicas, podem torná-la um motor de crescimento econômico.

"Então, você aproveita o crescimento da população e você obtém dividendos a partir disso. Por outro lado, isso pode significar um fator de instabilidade se esses países africanos não tiverem esse investimento [...], ou seja, eles vão aumentar a falta de oportunidades [...], com o aumento da população jovem desempregada."

Ele acrescenta que a imigração como forma de reverter o declínio populacional sempre traz algumas questões positivas e negativas. Na Europa, ela levanta debates sobre segurança e identidade nacional e fortalece o discurso de partidos políticos de direita que adotam um movimento anti-imigração. Já nos EUA, que recebe anualmente uma grande quantidade de latino-americanos, a imigração tem mudado a composição demográfica.

"Existem estados [nos EUA] em que o espanhol, por exemplo, é amplamente falado, já foi totalmente absorvido pelo estado. Acaba tendo uma implicação política e social, porque você tem um aumento dessa influência do voto latino, [...] e também uma discussão sobre o acesso aos serviços públicos. Obviamente, quando você recebe imigrantes, você tem que garantir para esse imigrante acesso a saúde, educação, e isso onera o Estado."

Silvia Lilian Ferro, professora e pesquisadora da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA) e doutora em ciências sociais, afirma que o sistema previdenciário adotado hoje no mundo é baseado na ideia do seguro social do século XIX, que surgiu na Alemanha, quando os índices populacionais eram altos.

"Então, é inviável um sistema de previdência social baseado em uma estrutura de idade do século XIX resistir no século XXI, onde estamos tendo taxas inéditas de envelhecimento populacional nunca experimentados por nossa espécie", explica.

Ela acrescenta que esse modelo europeu, além de não refletir o mundo contemporâneo, também não é adaptável a outras realidades, como a da América Latina, onde nem todos os países conseguiram universalizar o sistema previdenciário.

"Era uma solução europeia para uma demografia europeia baseada no trabalhador industrial, no operário, com alto grau de formalização, que não terminou de encaixar muito bem nas realidades latino-americanas, por exemplo, [com] países com muita informalidade laboral."

Sobre o bônus demográfico observado em alguns países, Ferro afirma que essa tendência pode ser tanto uma "vantagem estratégica" quanto "um fator de instabilidade", e cita como exemplo o Brasil, que ela destaca que nunca teve tanta população jovem, mas está gastando o seu bônus demográfico por não ter suficiente inserção desses jovens no mercado de trabalho.

"E esse bônus vai se fechar. Essa janela [de oportunidade] vai se fechar. [...] E não apenas no Brasil, são vários países latino-americanos que estão passando por esse bônus, por exemplo, o próprio Paraguai. E, realmente, observar isso é preocupante, porque um país tem que se preparar para esse bônus demográfico 20 ou 30 anos antes", afirma.

A pesquisadora explica que, uma vez transcorrido o bônus demográfico, sem suficiente inserção dos jovens, há pouco que os países podem fazer, e o resultado é a "frustração geracional".

"Os impactos que tem essa frustração geracional, que não alcança a vislumbrar possibilidades que outras gerações têm, como maior emprego formal ou maior estabilidade no emprego, são ainda incertos para os analistas, e se relacionam muito com o crescimento dos discursos de direita entre os jovens, como está se passando na própria Argentina, onde a extrema-direita tem muito sucesso entre essa população jovem."